Tiago Rebolo

28/11/2014 16h37
Após um breve período afastado por motivos de saúde, retorno às páginas deste semanário inaugurando meus escritos na seção de artigos. Para essa estreia, decidi compartilhar com o leitor a experiência vivida durante uma dura estadia no inóspito corredor de ortopedia e traumatologia do Walfredo Gurgel, o maior complexo hospitalar público do nosso Estado.
Foram necessários dois dias de internação na referida unidade para perceber o quão doente está o sistema público de Saúde.
 
A cruzada começou na noite de terça (18), quando uma forte lombalgia atacou e entrevou o repórter que vos escreve. Entre o início da crise e a chegada ao hospital, foi preciso respirar fundo por intermináveis duas horas até que uma equipe do SAMU fizesse o resgate para o Walfredo.
 
Como se sabe, a falta de leitos nas unidades hospitalares é um dos principais gargalos do serviço público. Verificada essa situação, o jeito foi permanecer sobre a maca até que um espaço ficasse disponível. Essa realidade impediu que a ambulância procedesse outros salvamentos.
 
Enquanto isso, uma avaliação médica inicial sugeriu a realização de uma radiografia simples da região – tratava-se de um exame básico. Foi aí que incidiu outro imenso problema: o equipamento de raio-X do maior hospital de urgências do Estado estava quebrado! Felizmente, uma solução foi encontrada: o exame de tomografia computadorizada, por sua vez, podia ser realizado normalmente.
 
O quadro ainda piorou quando percebemos que o hospital estava desprovido de um médico ortopedista sequer para minimizar a agonia de dezenas de pacientes à espera de atendimento nos corredores. De acordo com funcionários do hospital, naquele momento quatro profissionais estavam escalados para trabalhar. A versão oficial dava conta de que os médicos estavam envolvidos em um processo cirúrgico complicado desde o início da noite. Alguns pacientes que estavam há mais tempo no hospital revelaram, no entanto, que a espera por um ortopedista já se arrastava desde 10h da manhã.
Depois de muito choro, desespero e reclamações, finalmente um médico deu início aos atendimentos – isso às 3h30 da manhã! Como pronta medida, a alocação de pacientes nos corredores, tendo em vista a enorme escassez de leitos. Naquele espaço, havia enfermos de toda natureza misturados uns aos outros sem qualquer primazia pela higiene ou bom senso. Repetindo a fala de alguns, “na falta de dinheiro para pagar um plano de saúde, o jeito é ficar à míngua”.
 
Vi o tratamento intensivo acontecer ali mesmo no corredor, sobre uma gelada maca. A equipe da ambulância aguardou até o final da manhã para atender outras diligências, após um paciente receber alta e “liberar” uma maca. Nessa situação permaneci por duas noites, e em nenhum momento fui alocado para outro lugar com uma condição mais favorável.
 
À reflexão. É inacreditável saber que, mesmo com todo avanço tecnológico e os saltos gigantes dados pela ciência e pela medicina nos últimos anos, ter acesso a um serviço de saúde adequado é privilégio de alguns. Urge a necessidade de renovar as prioridades estabelecidas pelos governantes.
 
Esse relato em forma de apelo é uma forma de reverberar a aflição de centenas de milhares de crianças, adultos e jovens que, se não morrem, agonizam nos corredores dos hospitais pelo Brasil afora. O modelo de Saúde Pública que eu vivenciei precisa ser extirpado definitivamente da rotina do contribuinte, pois é dever do Estado oferecer um “Estado de bem-estar social”. Essa Saúde Pública que está aí, nós não queremos.
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).