Kalina Paiva

12/01/2024 10h11

 

NÃO É NÃO!

 

O Brasil se preparara para o carnaval de 2024. Certamente, você já viu a frase do título em alguma canção, ou mesmo estampada em tiaras, camisetas, mídias sociais, entre outros espaços. Por trás dessa frase, existe uma luta das mulheres no enfrentamento à violência.

Mais recentemente, a frase de luta serviu de inspiração para nomear a lei 14.786/2023, sancionada no apagar das luzes do ano passado, visando combater a violência, o assédio e a importunação sexual, sobretudo em estabelecimentos que vendem bebidas alcóolicas. Em outras palavras, a lei regula os espaços que sediam eventos e promovem entretenimento.

Esse avanço no direito civil brasileiro foi inspirado no Protocolo de proteção espanhol “No Callem”, que ficou conhecido após a prisão do jogador de futebol Daniel Alves, acusado de estuprar uma jovem – cuja identidade foi revelada recentemente pela mãe do jogador brasileiro – no banheiro de uma boate em Barcelona.

A nova lei, de acordo com Janaína Araújo, porta-voz da Rádio Senado, pretende combater condutas como “estupro, assédio e importunação sexual, além de qualquer outra forma de violência ou constrangimento de natureza sexual, inclusive contato físico não consentido, xingamentos, humilhações ou flerte insistente e ostensivo.” No site do Senado, a mesma jornalista alerta que “O descumprimento à nova legislação pode render advertência, multa e, em casos de reincidência, interdição do estabelecimento.”

É inegável que houve um avanço na tentativa de combate às formas de violência, contudo essa lei nasce já trazendo necessidades de mudanças no texto. Agora, falarei como mulher que já viu cenas de violência no dia a dia, convivendo com tantas outras por dois motivos: primeiro porque estou em uma democracia e isso me dá o privilégio de tecer críticas às medidas do governo, buscando aprimorá-las – fosse uma Ditadura esse texto sequer seria publicado, a menos que eu colocasse a minha cabeça a prêmio; segundo, porque nossas vidas são reguladas não apenas pelo Estado, mas também pela Igreja.

Já parou para pensar que até a educação que você dá ao seu filho é regulada por um dispositivo legal? Existe um Estatuto da Criança e do Adolescente que regula você e eu, pai e mãe, enfim, responsáveis legais de menores.

Se o funcionamento social é todo regulado, observe comigo esse parágrafo único da lei que estabelece o protocolo de proteção contra a violência: “O disposto nesta Lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais de natureza religiosa.”

Deixo aqui a pergunta que tem relação direta com a nova lei: por que as igrejas estão excluídas – destacadas em parágrafo único na lei – da responsabilidade de combate ao assédio se, dentro dos templos, existem vários casos?

Não preciso citar quais igrejas, pastores, diáconos, pois basta que vocês façam uma busca rápida no Google para encontrar várias manchetes de casos, solucionados ou em andamento, a respeito dessa pauta.

Blindar estabelecimentos religiosos da responsabilidade é criar um espaço para que a violência ocorra livremente. Com relação a isso, o movimento de mulheres está de olho. Vai ter luta para que ocorra efetivamente a mudança no texto, e consequentemente na implementação prática desse dispositivo. Mas isso é assunto para uma nova discussão.

 

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Sobre mim:

Kalina Paiva, professora, pesquisadora, escritora e produtora cultural.

Natural de Natal-RN, é professora do IFRN, pesquisadora em Literatura Comparada e mídias e escritora de poesia e contos. Líder do Núcleo de Pesquisa em Ensino, Linguagens, Literatura e Mídias (NUPELLM) do IFRN e membro do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-rio-grandenses. Membro da União Brasileira dos Escritores - Seção Rio Grande do Norte (UBE/RN), da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN (SPVA), do Mulherio das Letras Nísia Floresta, e da Associação Literária e Artística de Mulheres Potiguares (ALAMP); Coordenadora de Letras e Literatura do Movimenta Mulheres RN.

 


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