Emanuela Sousa

12/07/2020 09h42
 
Viver desse jeito é pior que morrer
 
Depois da liberação em padarias e restaurantes, sentei na primeira mesa da padaria próxima de casa na segunda de manhã. Um metro e meio de distância das outras mesas a minha volta. Já fazia tempo que não sentia isso, o simples conforto de voltar a me sentar numa mesa, pedir um café e ficar; nem que seja por alguns minutos, ali refletindo, enquanto acompanho o jornal passando na tevê...
 
Lembro-me da última vez que estive neste lugar. Eu estava acompanhada do meu amigo. Lembro do suco de laranja, da boa conversa, da movimentação constante de pessoas, do abraço ao nos despedirmos. Parece que faz muito tempo, mas são só alguns meses... Dessa vez eu estava só... Eu e minha companhia.
 
Essa é a mesma solidão que envolve quem ainda está em isolamento e de quem já não está mais. Continuamos sozinhos mesmo sem estarmos em isolamento social. Dizem que a quarentena deixou muito de nós  nos sentindo solitários, aumentou a  carência e a necessidade de afeto (mas já não éramos assim em toda nossa existência? ) Dizem que a pandemia fez enxergar como somos pequeninos e frágeis diante de um vírus letal.
 
E bem, soube de amigos sairam do isolamento para se encontrarem com outras pessoas, outros foram à motéis (e acredito que muita gente fez isso) e soube também de amigos que começaram a namorar em plena pandemia. E você deve estar pensando "Não é o momento apropriado para isso."  Bem, eu também pensei assim. Senti raiva por essas pessoas por um momento. Onde já se viu? Será que não pensou no estrago que podem causar?  Mas convenhamos... Não me diga que em momento algum durante a quarentena você pensou em fazer isso para ficar perto dos seus? Nao me diga que você não surtou de estresse em nem um desses dias? Se a resposta for não, pode fechar os olhos, você está morto.
 
Eu costumo carregar sempre comigo um bloco de notas e uma caneta para todo lugar que vou. Enquanto eu estava nessa padaria, chegou um casal, sentaram-se na mesa ao lado. Discretamente passei a analisa-los. Eles riam, conversavam, gesticulavam ao mesmo tempo. Tirei o bloco de notas da bolsa, rapidamente as palavras saltaram entre meus dedos:
 
"Quando tudo isso passar, espero estar com você, assim como o casal que se senta à mesa de um restaurante,  um de frente para o outro e ambos estão numa sintonia tão gostosa que se esquece de checar as mensagens do celular, de consultar as horas, a cerveja esquenta... E nada mais importa. Estão ali, olho no olho, sentindo a conexão.
 
Espero estar você quando tudo passar.  Eu espero que você também queira estar comigo.
 
Ansiosa para aprender a linguagem dos teus olhos."
 
Dobro o papel. Guardo- o no caderno, Recolho- me.
 
São dias estranhos, dias ensolarados,  finais de tarde coloridos e uma estranha sensação de que ainda estamos sozinhos.   
 

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