Bia Crispim

04/02/2022 08h25

 

A VISITA DE UM POLICIAL FEDERAL E DE MÁRIO DE ANDRADE

Era manhã, estava iniciando a preparação do café. Não era tão cedo, pois, estando ainda em férias, me dou o luxo de acordar depois das 7h. As janelas já tinham sido abertas pra o sol arejar a casa e os gatos já tinham sido agraciados com ração nova nos pratinhos e com muito carinho, quando, de repente... Alguém me chama à janela.

Para minha surpresa um ex-aluno/eterno amigo que estava ali, na calçada, de capacete e mochila nas costas, provavelmente chegando de viagem para me fazer uma surpresa. (Nem perguntei.)

Máscara no rosto, afinal ainda estamos em pandemia, corri para abrir a porta e receber aquele menino-homem cheio de novas responsabilidades que acabara de chegar. Trazia consigo sua nova titulação, policial federal, e sua alegria em poder compartilhar aquela vitória comigo. Ser professora tem dessas coisas.

Ex-alunas, ex-alunes e ex-alunos, alguns poucos, mais um número que muito me agrada por demais, tornaram-se amigas, amigues e amigos para um resto todo de vida. São pessoas que para além da relação de sala de aula, mantiveram uma relação de conversas, incentivos mútuos, trocas e presentes de livros, leituras e outros interesses compartilhados.

São queridas, querides e queridos que me acolheram em suas famílias, que me adotaram enquanto pessoa cativa e do coração e que conquistaram meu respeito, minha admiração e minha maternidade. Escutam o que eu tenho pra dizer com certo respeito e muita atenção... Espero que meus conselhos sejam adubo para boas colheitas. Pelo que vi até agora, são. Rsrsrsrsrsrsrsrs...

Dentre estes, um estava ali. Não mais na calçada, lógico, mas na cozinha. Enquanto ia contando as novidades, eu preparava o café. Ovos, leite, queijo de manteiga, presunto, pão, café (lógico) e um papo ótimo. Das muitas coisas que conversamos, livros foi o assunto principal, claro. Também falamos mal do governo e dos antivacinas, dos terraplanistas, de outras imbecilidades, das fake news e dos muitos desastres que elas causam.

Conversa longa que só terminou porque o almoço dele seria em família.

Mas para minha outra surpresa, meu ex-aluno/ sempre amigo não veio sozinho. Trouxe consigo Mário de Andrade. Sim! Mário de Andrade, o modernista, aquele da Semana de Arte Moderna, que por sinal vai completar (a SAM) 100 anos agora em fevereiro e teve em Mário um de seus idealizadores.

Claro que Mário não veio em carne e osso, até por que só lhe restam os ossos, mesmo. Mas ele veio em forma de sua Pauliceia Desvairada, encarnado em Macunaíma, transformado em seus Contos Novos e verbalizando que Amar, (é) Verbo Intransitivo. Mário não só me visitou como ficou pro almoço, ficará para o jantar, vai até se deitar comigo numa rede armada no alpendre do muro. Mais tarde... Quando tudo se aquietar. 

Mário chegou em forma de presente, um box comemorativo com as obras que citei acima. Mas ele veio com carinho, com gratidão, com respeito, com admiração, com o elo que um dia eu construí. 

Como professora de literatura fiz esse meu ex-aluno/ sempre amigo conhecer Mário de Andrade, e agora ele me traz Mário pra morar comigo. Eis um ciclo. O que ensinei, voltou pra mim. 

Ser professora tem dessas coisas.

A todas, todes e todos que um dia estiveram em uma sala de aula em que eu fui professora espero que alguma coisa que eu tenha dito ou ensinado, por menos palpável que seja, por mais abstrata que seja, qualquer coisa que tenha servido de adubo para a realização de seus sonhos ou para as grandes colheitas que vocês fizerem na vida, meu muito obrigada.

E que esses elos invisíveis permaneçam. O narrador de Amar, Verbo Intransitivo pergunta: “O que não é visível, existe?” 

Mário, Marinho, tenho certeza que sim! Não é mesmo, novo policial federal que me visitou e ainda trouxe Mário? Rsrsrsrsrsrsrsrs...

 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).