Arthur Dutra

30/08/2019 01h04
 
Quais as prioridades num país que deixa 100 milhões de cidadãos sem acesso à rede de esgoto?
 
 
Cerca de 100 milhões de brasileiros não tem acesso à rede de esgoto. Este é um dos dados mais alarmantes de um país ainda cheio de mazelas de todas as ordens. Deveria, portanto, ser um dos assuntos mais comentados. Mas não é. Ainda sofre daquela velha cultura de que canos enterrados não são visíveis e por isso não servem como propaganda política. De toda forma, há algo sendo feito no nível legislativo.
 
Natal já concluiu o seu Plano Municipal de Saneamento Básico – PMSB, instituído pelo Decreto n.º 11.447, de 28 de dezembro de 2017, e a Política Municipal de Saneamento Básico, Lei n.º 6.880 de 27 de março de 2019, relatado na Câmara Municipal pelo ex-vereador e engenheiro sanitarista Sérgio Pinheiro. São instrumentos importantes para execução do saneamento nas suas quatro vertentes (abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana e resíduos sólidos).
 
A Câmara dos Deputados, por sua vez, instalou dias atrás a Comissão do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, o Projeto de Lei 3261/19, já aprovado pelo Senado Federal. Trata-se de um projeto que estabelece novas regras para o setor no Brasil, em complemento ao que já dispõe o Plano Nacional de Saneamento Básico - PLANSAB, criado pela lei 11.445/2007.
 
O PLANSAB traz diretrizes gerais para o segmento e prevê que, até 2033, o país consiga universalizar o serviço de saneamento básico. Porém, no ritmo atual, somente conseguiríamos alcançar esta meta em 2060, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria – CNI (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49399768?ocid=socialflow_twitter). É preciso, portanto, acelerar esse passo.
 
Hoje, um dos desafios para aumentar a rede é criar uma formatação jurídica que permita a injeção de mais recursos neste que é um mercado que sempre terá consumidores ávidos por ter acesso a esse serviço. E isso é algo importante, visto que as empresas estatais que dominam a área estão gradativamente perdendo a sua capacidade de investimento, conforme apontou estudo do Ministério da Economia (https://oglobo.globo.com/economia/salarios-consomem-mais-recursos-que-expansao-de-redes-de-agua-esgoto-nas-estatais-do-setor-23884971). Por exemplo, a nossa CAERN, hoje, gasta dez vezes mais com folha de pagamento do que com investimentos (http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/caern-aumento-da-folha-a-10-vezes-maior-que-o-de-investimento/457421). É um dado preocupante.
 
Mesmo assim, graças a recursos da União, com contrapartida da CAERN, tivemos avanços na ampliação da rede de esgotamento sanitário de Natal, com expectativa de alcançar a universalização até 2021. No RN, porém, a situação não é mesma. E é justamente para não só evitar a redução do ritmo da ampliação da rede na capital, mas também acelerá-la em outras regiões, que surge a discussão de um marco regulatório que permita, por exemplo, à iniciativa privada entrar no setor de forma mais robusta a fim de colaborar com a expansão da oferta deste serviço elementar. Como fazer isso de maneira funcional e sustentável economicamente será a grande discussão em torno do PL 3261/19, visto que existem casos de sucesso, no Brasil e no mundo, nos diversos modelos possíveis (público, privado, abertura de capital, contrato de programa, PPP, etc.). 
 
Lembre-se, por fim, que a oferta de saneamento básico é um dos itens fundamentais nas discussões acerca do Plano Diretor, visto que se trata de infraestrutura urbana necessária para que mais pessoas vivam confortavelmente em determinadas localidades. Se quisermos ter uma cidade compacta, inclusiva, sustentável e que traga de volta o cidadão para as regiões centrais, precisaremos, talvez, adequar a nossa rede para permitir esse maior adensamento. E se houver um marco regulatório que facilite essa eventual adequação, tanto melhor para todos. 
 
Saneamento básico é dignidade e deve ser tratado como prioridade, e não a ampliação de um imoral “fundão eleitoral” que sugará do brasileiro algo em torno de R$3,7 bilhões, valor que seria suficiente para levar saneamento para cerca de 580 mil brasileiros. De quebra, faríamos um grande negócio, visto que cada R$1,00 investido em saneamento traz uma economia de R$4,00 em saúde
 
(http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/saude). Bem-estar para o povo e uma economia de R$ 2,3 bilhões. Nada mal. Portanto, vale muito mais a pena optar pelo que é realmente prioritário.
 

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