Judiciário

Supersalários no Judiciário aumentam 49% em um ano e escancaram falhas no teto constitucional

01/07/2025 15h40

Por: Hiago Luis

Supersalários no Judiciário aumentam 49% em um ano e escancaram falhas no teto constitucional

Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil
 
O custo dos chamados “supersalários” pagos a magistrados brasileiros disparou em 2024 e atingiu R$ 10,5 bilhões, representando um aumento de 49,3% em relação ao ano anterior, segundo levantamento inédito do Movimento Pessoas à Frente em parceria com o economista Bruno Carazza. O valor representa uma distorção crítica no serviço público e supera em quase dez vezes a inflação acumulada no mesmo período (IPCA de 4,83%).
 
Apesar de a Constituição de 1988 estabelecer um teto remuneratório para o serviço público — hoje fixado em R$ 46.366,19, equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — juízes vêm recebendo remunerações muito acima desse limite. Isso se deve, principalmente, à proliferação de verbas indenizatórias, classificadas como adicionais salariais não sujeitos ao teto nem à tributação de Imposto de Renda.
 
Pagamentos além do teto crescem de forma contínua
 
O estudo revela que o rendimento líquido médio dos magistrados aumentou de R$ 45.050,50 em 2023 para R$ 54.941,80 em 2024 — uma alta de 21,95%. Em fevereiro de 2025, o valor médio ultrapassou R$ 66 mil, consolidando a tendência de que os penduricalhos viraram a regra, e não exceção.
 
Fontes: dados disponibilizados por Bruno Carazza, provenientes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)  -  Reprodução/Movimento Pessoas à Frente
 
Entre 2023 e 2024, mais de 43,67% do rendimento mensal médio dos juízes foi composto por verbas adicionais ao salário-base, como auxílios alimentação, moradia, gratificações e licenças. Embora sejam classificadas como indenizatórias, essas verbas têm caráter mensal, fixo e não comprovadamente eventual, o que, segundo especialistas, distorce sua finalidade.
 
Impacto fiscal e desigualdade no setor público
 
Esses supersalários beneficiam apenas 0,06% dos servidores públicos, concentrados principalmente no Judiciário e no Ministério Público. Enquanto isso, metade dos servidores federais ganha até R$ 3.300, segundo a PNAD Contínua.
 
Fonte: Elaborado a partir dos dados disponibilizados por Bruno Carazza, provenientes do Conselho Nacional de Justiça. - Reprodução/Movimento Pessoas à Frente
 
O efeito é triplo: aumenta o rombo nas contas públicas, desestimula o cumprimento do teto remuneratório em outras esferas e reforça desigualdades salariais, inclusive dentro do serviço público. Há ainda o problema da opacidade dos dados, com iniciativas de restringir o acesso a informações salariais por meio de projetos como o PL 4.015/2023, vetado recentemente após pressão de organizações da sociedade civil.
 
Projeto de Lei 2.721/2021 pode legitimar penduricalhos
 
Um dos principais riscos apontados no relatório é a aprovação do Projeto de Lei 2.721/2021, que tramita no Senado. O texto, ao invés de coibir abusos, poderá institucionalizar até 32 tipos de verbas fora do teto constitucional, das quais 14 são classificadas indevidamente como indenizatórias. O impacto fiscal previsto, caso o projeto seja aprovado, seria de ao menos R$ 3,4 bilhões adicionais por ano, segundo a Transparência Brasil e República.org.
 
Medidas propostas para frear os abusos
 
O Movimento Pessoas à Frente, junto a outras nove organizações da sociedade civil, propôs um pacote de nove medidas prioritárias para combater os supersalários:
 
  • Revisão da classificação entre verbas remuneratórias e indenizatórias;
  • Limitação clara do que pode ser considerado indenizatório (precisa ser eventual, reparatório e autorizado em lei);
  • Cobrança adequada de Imposto de Renda;
  • Reforço da transparência e controle da remuneração;
  • Proibição da criação de benefícios sem autorização legislativa;
  • Extinção automática de verbas indevidas;
  • Fim do efeito cascata entre subsídios de carreiras distintas;
  • Considerar improbidade administrativa o pagamento acima do teto sem base legal;
  • Limites claros para retroativos salariais.
Além disso, a coalizão sugere o fim de férias de 60 dias, licenças-prêmio, aposentadorias compulsórias como punição e gratificações excessivas.
 
Caminho político e resistência institucional
 
Apesar da mobilização da sociedade civil, o avanço da regulamentação enfrenta forte resistência no Congresso, sobretudo de setores ligados ao Judiciário e Ministério Público. O Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa, sob coordenação do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), discute propostas para reformar a estrutura do funcionalismo, mas há temor de que pressões políticas esvaziem o impacto das mudanças.
 
“Desde a Constituição Federal de 1988 o país tenta estabelecer limites máximos para a remuneração no setor público brasileiro. Ao longo desses quase 40 anos, foram realizadas quatro tentativas por meio de leis, porém sem sucesso.” 
 
“Não podemos esperar mais 40 anos para finalmente resolver esse desafio estrutural dos supersalários no Brasil. Se considerarmos o aumento que foi identificado entre 2023 e 2024, de 49,3%, em apenas dois anos, esse valor terá dobrado”, destaca Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente. 
 
No início de junho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu que a reforma administrativa comece pela discussão dos supersalários. No ano passado, o governo enviou proposta de emenda à Constituição para limitar os supersalários dentro do pacote de corte de gastos, mas o Congresso desidratou a proposta e incluiu uma regulamentação por lei ordinária, que pode ser mudada mais facilmente que uma lei complementar.

 

Fonte: Com informações de Movimento Pessoas à Frente


Autor: Hiago Luis