Daniel Costa

12/02/2023 07h29

 

Ah, o veraneio 

 

Nenhum balde de chuva caiu nestas últimas semanas. Da janela do meu apartamento vem um bafo quente, como se eu estivesse de viagem pelo sertão do São Francisco, com o ar condicionado desligado e os vidros do carro abertos. Os edifícios ao lado parecem mais velhos e tenho a impressão de que o asfalto das ruas vai se descolar a qualquer momento. Bastaram alguns dias de sol e de cerveja para que meus lábios surgissem rachados e a garganta esfolada.

As quadras de basquete estão desocupadas, os bares fechados, vazios, ou no máximo frequentados por dois ou três casais de turistas incolores. E os amigos todos se encontram fritando nas casas de veraneio; o que só se compreende à vista do desvio cognitivo provocado pelo efeito manada, já que a música que explode das caixas acústicas que existem entre Tabatinga e Touros não justifica que se deixe racionalmente o recesso do lar, sob hipótese alguma. 

Tenho a impressão de que os pobres, nos sinais de trânsito, estão ainda mais pobres (se é que isso é possível), pedindo trocados no sol a pino do meio-dia, entre motoristas ainda mais frustrados e irritados.  Talvez eles estejam assim porque o prazo de validade das pessoas parece diminuir nessa época do ano, em razão da mistura de areia, protetor solar e água salgada a que são submetidas. 

Em algum momento apodrecerei nesta terra, mas torço para que seja no exato mês de janeiro, para que a minha última aparição aconteça em forma de fogo fátuo causando terror aos que estão por aí dizendo radiantes: "ah, o veraneio".

Esse veraneio, não bastasse tanto, tem sido especialmente doloroso, em virtude da necessidade de se ter que jogar na lata do lixo alguns grupos de WhatsApp formados por (agora) ex-amigos versados em divulgar apoio a golpe de Estado e insanidades do gênero. De maneira que se não fosse por ver a minha filha gargalhando na borda de uma piscina, tudo seria um delírio total.

Mas eis que surge a luz no fim do túnel. As aulas das crianças irão recomeçar, com a retomada da rotina do trabalho e de todo o resto que envolve a volta da calmaria depois da tormenta. Enfim, tem-se o término do veraneio.  Claro, ainda resta o Carnaval, mas aí são apenas 4 dias que podem ser superados com alguns filmes e 5 ou 6 sessões de terapia.

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


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