Daniel Costa

24/12/2023 07h00

 

Chet Baker: a arte e o artista

 

No início dos anos 50 ninguém podia com Chet Baker. O garoto rebelde do jazz levava as mocinhas ao delírio e deixava insones os marmanjos americanos (de inveja). O seu semblante pra lá de cool, no melhor estilo James Dean, e as tristes e poderosas melodias que ronronavam do seu trompete, eram armas fatais.

Naquela época afloravam jazzistas por todas as artérias dos Estados Unidos. A cada minuto, de Chicago a Los Angeles, em grandes casas de shows como a Black Hawk e nos mais obscuros inferninhos tipo o Jimbo’s, se apresentavam figuras brilhantes como Miles Davis, Thelonius Monk, Kenny Clarke, Max Roach e Bud Powell. Mas o aparecimento de um músico branco, boa pinta, num cenário dominado por artistas negros, foi coisa muito bem vinda para a indústria do entretenimento.

O racismo vigorava com força na sociedade americana (será que diminuiu?), e em diversos clubes a presença dos negros era proibida. Os próprios músicos de cor, mesmo nos lugares em que realizavam as suas apresentações, só podiam entrar pela porta dos fundos. Assim, com o jazz abrindo espaço na programação musical das rádios e o preconceito fervilhando, era questão de tempo para que Baker, guiado pelo seu solo arrepiante em My funny valentine, fosse alçado à categoria de grande estrela.

Mas o fato de ele ser um músico branco no meio de uma maioria de negros, nunca foi problema para que o seu talento musical fosse reconhecido entre os jazzistas. Diz a lenda que Charlie Parker, um dos deuses do jazz, conheceu de perto o virtuose que era Chet Baker quando realizou uma sessão de teste à procura de um trompetista para acompanhá-lo numa temporada no Tiffany Club. Todos os trompetistas de Los Angeles estavam por lá, sonhando com a posição. Chet tocou duas músicas arrancando notas perfeitas. Claro que Parker não demorou a anunciar que o teste tinha acabado: a vaga estava preenchida.

Parker chegou mesmo a ligar para Dizzy Gillespie, Miles Davis, Lee Morgan e outros trompetistas negros para dizer: “É melhor abrirem os olhos, tem um carinha branco que vai engolir todos vocês!”.

O trabalho de Chettie com o quarteto do pianista Gerry Mulligan lançou-o à fama. O seu trompete jorrava uma emoção de notas e acordes lentos e curtos que transmitiam uma tristeza cheia de vida. Foi essa força sonora, acompanhada de uma voz intimista e quase sussurrada, que marcou o seu estilo dentro da linha do chamado cool jazz, também conhecido como o west coast jazz.

Até mesmo o seu jeito sério e frio de se comportar assemelhava-se com a sua música. E na medida em que ele era engolido pela heroína, a própria face adquiriu um ar triste e melancólico, que parecia fazer parte das melodias. Quanto mais o músico Chet Baker era carcomido pelos modos junky de viver, mais o seu rosto sulcado, como veias abertas, refletia o ranger triste e curto do seu trompete.

Em 1985, numa gravação realizada em Lidingo, na Suécia, é possível ver somada à tristeza de sua música, uma fala arrastada, cansada, acompanhada de deprimentes bolsas de expressão. Mas se fisicamente já não se reconhecia o Chet símbolo sexual dos anos 50, certamente qualquer fã de jazz ainda seria capaz de se emocionar com a beleza melódica e a delicadeza de My Romance, tocada em duo com Red Mitchell ao piano.

Chega a ser triste pensar que Bake, com sua vida trágica, nunca tenha conhecido a paz e a tranquilidade transmitidas por aquela canção; e é bem provável que o encontro entre a arte e o artista só tenha ocorrido três anos depois, quando ele foi encontrado misteriosamente morto na calçada de um hotel em Amsterdã.  

 


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