Daniel Costa

04/12/2023 09h07

 

Quem vigia o Supremo?

 

“Quem vigia o vigilante?” (Quis custodiet ipsos custodes?). Essa é uma antiquíssima pergunta feita pelo poeta Décimo Junio Juvenal, que depois ganhou o mundo através dos textos de Platão e de Foucault, e que se infiltrou na cultura pop quando Alan Moore transportou-a para as páginas de Watchmen. Diante da recente corrida do Poder Legislativo para tentar diminuir os poderes do STF, faz sentido atualizar o questionamento do bardo romano: quem vigia o Supremo Tribunal Federal?

O problema da deficiência na fiscalização das ações do Judiciário não é novo e não é somente nosso. O recente caso da criação de um código de ética pela Suprema Corte norte-americana é sintoma do caráter global desse nó górdio. Mas não há dúvida de que o Poder Judiciário brasileiro, por ser um dos mais independentes do mundo, usufrui de um frágil controle. A fiscalização sobre a sua atuação é extremamente problemática. E isso não é força do acaso. Na verdade, é resultado, dentre outras coisas, de uma proteção conferida pela Constituição de 88 a um órgão que se viu manietado durante a ditadura militar, com a violação da vitaliciedade dos seus membros.  

A recente PEC nº 8/2021, que tramita no Legislativo federal e propõe limitar as decisões monocráticas e os pedidos de vista no Supremo, traz a público essa importante discussão sobre o protagonismo do Judiciário e sobre o controle de suas práticas. É questionável o excessivo poder monocrático dos ministros, que derrubam atos do Executivo e do Legislativo por meio de solitárias canetadas; como também é discutível a claudicante atuação do Conselho Nacional de Justiça, como órgão fiscalizador de todo o aparato judicial, a começar pela crítica sobre sua forma de composição. E noves fora, é preciso que instrumentos de controle social das ações do Judiciário sejam criados e postos em prática, como, por exemplo, a avaliação de suas políticas públicas. Tudo isso se mostra de fundamental importância para a democracia.  

Por outro lado, é preocupante a maneira rasteira com que o tema tem sido tratado pelo Legislativo por meio da tal PEC 8/2021, principalmente quando se sabe que a matéria é infinitamente mais complexa do que fazem supor deputados e senadores. O controle das atividades do STF envolve um denso debate a respeito da preservação do princípio da separação dos poderes; da possível ofensa às cláusulas pétreas do texto constitucional; e sobretudo de uma eventual perda de força da alta corte de justiça na atual quadra histórica de ataque às democracias. 

Assim, deixar todos esses pontos nas mãos da política miúda, que avança nos calcanhares do Supremo Tribunal Federal em represália às suas recentes decisões sobre temas como a criminalização das drogas, a contribuição sindical e o marco temporal, é sair do campo do debate institucional para entrar com os dois pés na arena do conflito político, quando, no momento, um dos objetivos das instituições republicanas deveria ser o do fortalecimento do nosso Estado democrático de direito.

Diante desse cenário, fica evidente a necessidade de se estabelecer uma discussão profunda sobre o tema, com a participação da sociedade, da OAB, de sindicatos, do Ministério Público e do próprio Supremo, para que sejam fixados os limites que parecem ser necessários ao seu bom funcionamento, sem que isso possa trazer qualquer implicação de maltrato à democracia. 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


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