Daniel Costa

12/12/2022 10h45
 

A jornada da vida

Eu queria entrar numa máquina do tempo e desembarcar no ano de 1991. Num dia de sábado como este, em que o vento se lança pela janela do meu apartamento e o céu de uma noite escura me faz lembrar do rock que saía do micro system de Natália. “Just a perfect day/drink sangria in the park/And then later when it gets dark/we go home/ Just a perfect day/problems all left alone". Enquanto a voz sibilante de Lou Reed penetrava na mente, eu vivia o momento sem me importar com a matemática do dia de amanhã.

Agora as coisas mudaram. E eu fico me perguntando quando foi que perdi aquela capacidade de aproveitar o dia sem pensar no depois. Talvez tenha sido quando ganhei o meu primeiro relógio de pulso, ou quando resolvi comprar uma agenda para anotar as tarefas da semana. Aí vieram os compromissos sociais, os horários de trabalho, um turbilhão de exigências que me transformaram num sujeito cartesiano, um burocrata da vida que acredita que é possível calcular todas as possibilidades do destino e seguir por um caminho certo e seguro.

Mas a verdade é que não adianta se armar com martelos e picaretas achando que vai erguer uma ponte para enfrentar o abismo. Ele estará sempre lá a sua espreita e você vai cair e se estraçalhar. A gente fica procurando antever o caminho para se desviar das armadilhas e aí deixamos de aproveitar o que tem de bom no meio da passagem. É como o sujeito que vai a um show e permanece o tempo todo no celular filmando, para só depois, no outro dia, deitado na cama, se dar conta da beleza da voz do cantor.

A vida é um caos, meus amigos. O inusitado aparece e desaparece na velocidade de um riff do Ramones. Tudo muda, tudo passa, neste mundo de ilusão, já poetizava Guilherme de Almeida. No final das contas, o que importa mesmo são as surpresas que surgem na parte não programada, quando depois de se esborrachar no fundo do buraco, entre lama e cacos de vidro, a gente encontra seis packs de cerveja.

Quem tinha mesmo razão era o grande Hunter Thompson, quando dizia por aí que a jornada da vida não serve para se chegar ao túmulo em segurança, em um corpo bem preservado, mas sim para se escorregar para dentro, meio de lado, totalmente gasto, berrando...Uau, que viagem!

 


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