Andrea Nogueira

10/04/2021 00h31
 
Mania de perseguição
 
Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade, É CRIME. Pelo menos é o que reza a Lei nº 14.132 de 31 de março de 2021.
 
Antes deste dispositivo legal, a sociedade brasileira contava com o art. 65 do Decreto Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941, que rezava ser contravenção penal o seguinte: “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”.
 
Se já existia regulamentação, há mais de 80 anos, pra punir a “mania de perseguição”, algo certamente faltou para dar eficácia à lei. Ora, enquanto persistir a relativação da perseguição, não será uma lei recente que resolverá o problema do perseguido.
 
Antes da Lei de 2021, perturbar alguém, de caso pensado, já era passível de punição legal. Agora, aumentou-se a pena, criminalizou-se a ação, ampliou-se a definição de perturbação para perseguição e vamos ver no que dá.
 
Puxando o tema para a realidade feminina, não serão estranhos os casos justificados com “ela deu brecha”, “ahh.. se ela não gostasse, teria feito algo logo”,  ou “tá fazendo isso pra se vingar dele”. O famoso “NÃO É NÃO” ainda não tem a força que deveria, especialmente na esfera da psicologia. Quanto à integridade física temos vários entraves, mas nada comparado quando tratamos da integridade psicológica, pois permanecemos na expectativa de submeter o caso a um magistrado que não seja tão afetado pelo patriarcado, que tenha zelo pelas mulheres e principalmente, que acredite nelas. A nova lei é bem intencionada, assim também era a lei de 1941. Que venham as mudanças sociais.
 
E só pra lembrar, a nova Lei (assim como a antiga) não é somente para proteger mulheres perseguidas. A Lei protege pessoas. Qualquer pessoa. Atualmente prevê agravantes nos casos em que a vítima for criança, adolescente, idoso ou mulher.
 
Num país onde não se aplicam leis com punições mais brandas, o que esperar de uma lei com punição de prisão? Que haja presídio? Haja paciência!
 
A sociedade está adoecida e não adianta aprovar leis que defendem pessoas vulneráveis, enquanto a diretriz governamental for de negação da vulnerabilidade.
 
Dr. Arthur Guerra, professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental, num artigo publicado na revista FORBES(2020), frisou que “vivemos em uma sociedade em que os pretos ainda sofrem os efeitos devastadores da segregação racial, em que as mulheres ainda são espancadas porque, justifica-se, elas “merecem” porque “provocaram”, em que idosos apanham de seus netos porque lhes dão trabalho, em que grupos inteiros de pessoas são colocados às margens e invisibilizados”.
 
O problema do país, definitivamente, não é a falta de Leis. Aliás, leis não faltam para atingir o bem estar social. Faltam pessoas que decidam lutar pelos vulneráveis, mesmo que isso signifique abdicar da sua aposição dominante.
 

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