Andrea Nogueira

13/06/2020 00h01
 
Santo casamenteiro?
 
 
Para o Nordeste Brasileiro o mês de junho reflete um catolicismo forte e perene, especialmente com as comemorações de três Santos muito conhecidos: Antônio, João e Pedro. Sendo o nordestino o campeão brasileiro da agricultura familiar, e o mês de junho uma época propícia para o cultivo do milho (cereal no ranking em termos de produção, superando o trigo e o arroz), as mesas das famílias ficam cobertas com suas delícias. Puro ou como ingrediente principal, o milho leva as tonalidades do sol às festas e encontros de amigos.
 
No dia 13, um homem chamado Antônio é trazido à lembrança com mais intensidade. Ele nasceu em Lisboa, numa família nobre, vindo a falecer em Pádua. Na verdade, chamava-se Fernando de Bulhões, mas por causa da vida religiosa, adotou a mudança do nome para acompanhar uma tradição.
 
Na época de Fernando, ou melhor, de Antônio, as meninas nobres eram educadas para o casamento. A propósito, também continuou assim no século XII, XIII, XIV... e até hoje existe este tipo de condução educativa, só que bem mais reduzida. Mas quando vivia Antônio, esse comportamento social era imperativo. As mulheres que não casavam corriam o risco de passar a ser o principal motivo de vergonha para toda a família. Um fato peculiar é que nem todas elas eram tratadas pela sociedade medieval da mesma forma. Havia diferenças quanto à idade e hierarquia social. Sobre a vida das camponesas, por exemplo, pouco se sabe.
 
Importa registrar que em determinadas regiões, as mulheres podiam comprar o direito de se casar com quem desejassem, bastando pagar certas quantias a funcionários do rei para se livrarem da sujeição a que estavam submetidas nos casamentos arranjados. E naquela época, se as moças não casassem bem jovens seriam obrigadas a viver em mosteiros, independente de sentir uma vocação para a vida religiosa.
 
Como Antônio crescera em família nobre, era rico e culto, trabalhou a sua vocação de ajudar os outros dentro do universo que conhecia. Usou sua fortuna para garantir o dote a várias donzelas desprovidas. E de tanto viabilizar casamentos doando quantias necessárias ao ajuste matrimonial, este homem acabou conhecido como o Santo Casamenteiro.
 
Antônio foi monge da ordem Franciscana. Viveu como um pobre, desapegando-se da riqueza que lhe cabia por herança. Era também reconhecido como um excelente orador.
 
Conhecer a história deste homem relembrado anualmente por cristãos católicos nos oferta a possibilidade de refletir sobre a nossa própria história.
 
No que pese a incrível evolução social visível em todo o mundo, ainda há muito para avançar. Esta semana uma jovem senhora conversava sobre sua sobrinha que era “moça velha, pois não teve a sorte de casar”. Sua amiga, que a ouvia atentamente logo se adiantou em contar que na sua família havia mulheres que não tiveram “a graça de permanecerem casadas”. “Coitadas”, diziam as amigas.
 
Esse tipo de diálogo ainda é comum. Não é raro escutar alguém julgando uma mulher pelo fato dela não ser casada. O que a sociedade ainda impõe é um rótulo muito específico, ao ponto de deixar mulheres casadas com medo das próprias amigas solteiras ou divorciadas.
 
Conhecendo os feitos de Antônio naquela época em que o casamento era o que dignificava a mulher, urge imaginar o que ele faria hoje, já que estamos em tempos de aceitação do feminino além das paredes do lar. Talvez usasse a sua fortuna para viabilizar o acesso das mulheres às universidades e ao mercado de trabalho. Valei-me, Santo Antônio!
 

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