Andrea Nogueira

22/06/2019 00h01
 
Agonia feminina
 
Recentemente assisti a um vídeo, onde uma mulher autointitulada “feminina não feminista” comentava, com horror e indignação, sobre a vida e ideias de outras mulheres. Ao tempo que exaltava freiras e outras senhoras de comportamento mais conservador, insultava algumas que historicamente afrontaram a boa conduta pregada para o universo feminino de um modo geral. Para tanto, usava frases isoladas de um provável contexto histórico, com a finalidade de ridiculariza-las. Em meio ao discurso inflamado de indignação e contraposição, era possível escutar pessoas da plateia notadamente chateadas com a exposição daquela que discursava. Após algumas manifestações, alguns aplausos e outras discordâncias, a senhorita voltou a sentar, posicionando-se igualmente aquelas que a ouviram (já seria a vez de outra pessoa falar).
 
Algumas mulheres brigam, mesmo quando pregam querer a mesma coisa: independência e força. Já não basta enfrentar todo um sistema de condutas diminutivas do feminino, há quem submeta outras mulheres a situações de descrédito e ridicularização.
Nesse linear, importa frisar que após qualquer discurso, todas voltam a sentar. Imediatamente a oradora se posiciona de forma semelhante a todas as outras que não estão no palanque. De fato, nem sempre é possível estar lá em cima ou com voz audível. Mas quando uma mulher finalmente tiver a oportunidade de manifestar-se diante de um grupo grande de pessoas, espera-se que não perca seu tempo desmerecendo outras. Há tanto para falar e para construir, que não vale a pena tentar dividir femininas de feministas (como se isso fosse realmente possível).
 
A feminilidade é a expressão da mulher que busca seus desejos e sonhos. A feminilidade não tem cor, doçura ou fragilidade. Ela existe como essência no meio das diferenças. Comportamentos, ideias e formas de agir não podem separar as mulheres num ringue. Afinal, nenhuma delas luta contra alguém. Todas lutam contra algo. Mulheres não lutam contra homens e também não devem lutar entre si.
Aprender a ouvir, tolerar e respeitar é o maior desafio dos tempos atuais.
 
A sociedade está acostumada com as mulheres em papel doméstico regular. Homens e mulheres se habituaram a um padrão estabelecido ao longo de milhares de anos, patenteados por livros, histórias, doutrinas e repetição de comportamentos. A diminuição das famílias, dos números de filhos, dos cuidados do lar pela figura feminina e a troca de tarefas cotidianas está inquietando o mundo. Não é fácil, de fato. Toda mudança é difícil. Mas acovardar-se trocando o desconhecido possivelmente salutar pelo conhecido notadamente desigual não sana a inquietação vivida por um povo em transformação.
 
Adaptar-se, essa é a questão. Não é preciso pensar igual. É preciso pensar, pensar, pensar, até refletir e voltar a pensar. Não é preciso concordar, mas apenas respeitar, observar, aguardar.
 
Mulheres são femininas. Feministas são mulheres. Feministas são femininas. O feminismo é apenas um movimento social de quebra da hierarquização, reivindicando igualdade de direitos entre homens e mulheres. Feminista não luta contra o feminino nem contra o masculino, ela apenas grita alto para se fazer ouvir. Não à toa, para uma mulher (obviamente feminina), a carteira de motorista, o diploma, o direito de trabalhar durante o dia ou durante a noite, o título de eleitor, a direção de uma grande empresa, o acesso a cargos públicos e eletivos não são frutos de oração das freiras ou de cartas escritas por senhoras de comportamento conservador. Alguns “gritos” foram ouvidos. Mas algumas mulheres, que gostam de um palanque, esquecem ou simplesmente desconhecem a história que forjou sua subida até lá. 
 
Respeitar não significa concordar. Assim, após descer do palco, que não haja agonia. Que todas possam sentar para um café, boas risadas e comemorações, afinal estão na mesma direção, rumo ao respeito às suas ideias e liberdade femininas.

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