José Antônio Aquino

14/06/2018 09h15
A recente publicação do Atlas da violência, versão 2018, lançado no início de junho, em conjunto pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz dados preocupantes que obrigam uma necessária reflexão, em especial por estudiosos e gestores da área.
 
O contínuo crescente número de homicídios no País assusta, mas a perceptível inércia do Estado em apresentar soluções efetivas em uma área tão essencial, parece ser ainda mais aterrador.
 
Inicialmente, o referido estudo apresenta um intrigante gráfico no qual dispõe o número de assassínios no Brasil na década 2006 - 2016, culminando com 62.517 assassinatos em 2016.
 
Obviamente que chama atenção no quadro acima, a explícita tendência de crescimento do registro de casos. Embora haja uma natural oscilação entre os anos, o contínuo aumento é facilmente constatado. Contudo, no estudo outro fator alarmante chama atenção; A taxa de homicídios por 100.000 habitantes, no Brasil, já supera a marca de 30,00. Entretanto, esse dado se torna mais dramático quando se observa que na série estudada os valores registrados sempre estiveram bem acima do que a Organização da Nações Unidas (ONU) considera como aceitável; 10 mortes matadas a cada cem mil moradores. 
 
Continuando nessa análise, o mesmo Atlas da Violência apresenta a relação assassinatos por habitantes em cada estado da Federação:
 
Ao se debruçar sobre a apresentação acima, se percebe a absurda situação de insegurança a que estão submetidas as populações de Sergipe, com uma taxa de 64,7 assassinatos para cada cem mil habitantes, Alagoas com 54,2 e o Rio Grande do Norte com 53,4. Índices que praticamente dobram o já absurdo valor nacional. Ou seja, os três pequenos estados nordestinos estão com índices seis vezes maiores, de mortes matadas, que o aceitável pelas autoridades internacionais. 
 
É fundamental também se observar que, conforme a própria publicação, 71,1% dos assassinatos ocorreram com armas de fogo, o que remete a uma importante questão, em especial em tempos de radicalização pré-eleitoral pela qual passa nossa nação. Ao mesmo tempo em que as autoridades nacionais têm-se mostrado completamente incompetentes para fazer o controle sobre as fronteiras funcionar, o que propicia uma indiscriminada entrada clandestina de drogas e armas, algumas candidaturas passam a defender o armamento da população como se isso fosse solução ao sério problema no qual estamos inseridos, em uma clara demonstração de total desconhecimento técnico do assunto.
 
O atual nível de violência vivido pelos compatriotas tem tido forte implicação sobre a dinâmica demográfica e o desenvolvimento econômico e social, segundo o próprio anuário, uma vez que o assassinato “representa mais da metade da causa de mortalidade de homens jovens entre 15 a 24 anos”, ou seja, estamos perdendo a nossa juventude e, sem qualquer perspectiva de uma intervenção efetiva e continuada por parte do Governo, estamos pondo em risco o nosso próprio futuro!
 
Recentemente a agência Reuters fez uma publicação importante, na qual demonstra o rol das cinquenta cidades mais violentas do mundo, em 2017, ver abaixo. Ali estão relacionadas, não por acaso, dezessete urbes brasileiras. A maioria concentrada na região nordeste do País. Diante de tal constatação fica fácil de compreender quão equivocada parece ter sido a intervenção federal na Segurança Pública no Rio de Janeiro: Se tratou de tentativa de solução ou reles medida eleitoreira? Por que não houve tal ação nas unidades federativas que apresentam situação bem mais complexas, como demonstrado? Que análise técnica deu suporte àquela intervenção? Esse fato demonstra o quão é pouco técnico o nível de tomada de decisão em uma área tão vital para qualquer nação.
 
Resta ainda um questionamento simples; O que tem ocorrido com o aparato estatal na região Nordeste? Uma sinalização importante pode vir da constatação da Seccional da OAB potiguar que afirma que neste Estado em apenas 50% dos homicídios é que são abertas investigações oficiais. Esse fator comprova uma já antiga afirmação dos operadores da área: O modelo de investigação brasileiro, concentrador, burocrático, excessivamente lento e inoperante precisa urgentemente ser revisto. Uma vez que é senso comum que a impunidade retroalimenta a criminalidade.
 
Vale ressaltar que as cinquenta cidades listadas se encontram tão somente nos continentes americano e no sul da África. Com uma forte concentração na América Latina.
 
Da mesma forma que no México, aqui se tem vivido uma complexa realidade em virtude do embate de vários grupos criminosos que, ocupando o vácuo deixado pela falta de políticas sociais do Estado, bem como pela inoperante e incompetente atuação do atual modelo de Segurança Pública, que se mantém arcaico, contraproducente, oneroso e beneficiador de castas que se instalaram nas hostes estatais e que relutam avidamente nos parlamentos, federal e estaduais, para evitar quaisquer significativas mudanças que ousem reformular o “status quo”, o que poderia vir a levar aos mesmos alguma perda de poder. A situação só tende a piorar.
 
Basta ver o quão difícil e pouco significativo têm sido o avanço nas tentativas de propiciar quaisquer discussões acerca de mudanças na atividade policial, tais como ciclo completo de polícia, entrada única nos órgãos e desburocratização da investigação de ações fora da lei. 
 
É sabido por quase todos que a crise de insegurança não se resume apenas a atuação das polícias, investigativas e ostensivas, uma vez que os graves problemas de educação, saúde, economia vividos no país, contribuem forte e diretamente para o desarranjo social que, em última instância, culminam na violência estrutural. Todavia, da mesma forma é de conhecimento público que a impunidade retroalimenta a marginalidade e, nesse ponto é fundamental observar que o modelo de persecução penal em vigor no Brasil, que vai desde a atuação inicial do policiamento até o julgamento do acusado, pouco ou quase nada, tem contribuído para estancar a situação calamitosa em que estamos inseridos. Enquanto isso a morte tem sido nossa manchete cotidiana.
 
Por fim, necessário se faz que toda a sociedade brasileira participe ativamente de um amplo debate acerca do tema e que, diante dos inúmeros casos de sucesso na reversão da violência e criminalidade obtidos em várias nações do mundo, se consiga definir um modelo similar para que consigamos trazer de volta a paz que tanto se almeja.
 
José Antônio Aquino
Policial Federal
Presidente do Sindicato dos Policiais Federais no RN
Pós graduado em análise de sistemas – UFRN
MBA – FGV
Conselheiro do COEDHUCI

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