Daniel Costa

11/10/2017 09h14
Uma das medidas adotadas pelo governo militar após o golpe de 64, foi a de implodir o regime dos servidores públicos que até então vigorava. Na prática, todo mundo passou a ser celetista. Resultado: qualquer um que contrariasse as ordens dos homens de farda era demitido sem demora, perdendo a estabilidade em troca do FGTS. 
 
Somente com a chegada da Constituição de 88 é que essa paisagem mudou. Pa-ra evitar atos de represália, o servidor público contratado pela via do concurso voltou a ter estabilidade. Desde então, ele só pode ser demitido após o desfecho de um processo disciplinar, observadas as garantias da ampla defesa e do contraditório. 
Mas como nos últimos tempos parece ser moda a volta aos arcaísmos autoritá-rios, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado acaba de aprovar uma proposta que permite a demissão de servidores públicos por mau desempenho, a partir de avaliação realizada com base em critérios subjetivos. O que significa, sem meias palavras, uma carta branca para o retorno das perseguições ao funcionalismo, por motivos políticos e pessoais.  
 
É cabuloso. Mas tem gente que não consegue enxergar um palmo à frente do nariz e aplaude a aprovação dessa perda da estabilidade, inclusive destilando "sábios" comentários do tipo: " é só trabalhar que não será demitido"; "os serviços públicos são mal prestados". 
 
Aí eu pergunto: será que o problema da reconhecida deficiência na prestação do serviço público tem mesmo relação com a estabilidade dos funcionários? Se esse fosse o caso, os serviços de telefonia, já privatizados, não deveriam estar bem longe do segundo lugar na lista de reclamações do PROCON? E as perseguições contra os concursados, mas não estáveis, que não se alinharem politicamente com os chefões, não voltarão a ser vistas como antes? E o silêncio obrigatório que deverão observar, mesmo à vista de mal feitos praticados por seus dirigentes, sob pena de demissão, quem vai reparar? 
 
Mais que tudo isso. Em muitas situações será exigida do funcionário a prática de atos ilegais para atender a interesses dos seus superiores e cuja recusa o tornará "per-sona non grata" no ambiente de trabalho, devendo sua presença ali ser prontamente dispensada. Será possível que esses aloprados não vislumbram essas possibilidades? 
 
O pior é a ignorância da rapaziada sobre os limites da garantia da estabilidade presentes em todos os regimes jurídicos atualmente em vigor que cuidam dos servidores públicos. Em nenhum deles é vedada a possibilidade de demissão por conta de inassi-duidade e de recusa ao trabalho compatível com seu cargo. Como dito lá no início, bas-ta, para isso, um processo administrativo com defesa assegurada. 
 
Não dá para engolir, portanto, que comissões sejam criadas para dar notas aos servidores com base em critério subjetivo facilmente manipulável ao gosto das simpatias e antipatias do avaliador. Como escreveu a juíza do trabalho Valdete Souto, pratica-mente todos os países ocidentais reconhecem garantia contra a despedida para emprega-dos. Nem por isso, os serviços na Alemanha, por exemplo, são mal prestados. Servidores não têm privilégios, têm direitos! Direitos que deveriam ser estendidos, inclusive, à iniciativa privada, e não suprimidos.
 

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