Daniel Costa

08/06/2017 18h23

Nesta semana, a coluna abre espaço para texto de autoria do dentista e poeta caicoense, Modesto de Araújo Neto, intitulado "Sua majestade, o pulmão".

SUA MAJESTADE, O PULMÃO

Boa noite, eu sou o pulmão. Só agora, às 22:45 eu consegui um pouco de paz, de alívio, de oxigenação.  O meu dono finalmente adormeceu. Vocês não imaginam como é difícil saber que eu poderia ter uma vida mais saudável, e, no entanto, passo o dia inteiro recebendo um verdadeiro bombardeio de fumaça, que segundo os estudiosos joga em cima de mim mais de mil substâncias tóxicas.

Na verdade, estou cansado. Hoje tenho uma aparência escura, puxada para o cinza. Meus brônquios estão gradativamente endurecendo, já que a nicotina que recebo absurdamente a cada 30 minutos está destruindo todo o meu epitélio ciliado, que são pequenos cílios que se movem constantemente dentro de mim, ajudando a expelir o meu muco, substância que antes do cigarro era líquida, mas hoje já perdeu a sua fluidez, justificando a tosse do meu dono, forçada e difícil.

A cada dia sinto mais dificuldade em fazer os movimentos da respiração. Às vezes estremeço só de pensar que poderei me tornar um órgão doente, com enfisema, sem falar no mau hálito que provoco, que mistura o forte cheiro do tabaco a um odor metálico.  

Nossa! Como o tempo passou depressa! Estou começando a ficar angustiado. Já são 5: 45 da manhã e o meu dono esta prestes a acordar. Adoraria receber um pouco de ar puro, quem sabe uma caminhada. Mas, para o meu desespero, em cima da cabeceira da cama existe um maço de cigarros, que com certeza irá funcionar como dardos venenosos, que serão paulatinamente atirados em mim.

Acho até que se tivesse olhos, nesse momento estaria chorando copiosamente, pois tenho um pressentimento de que o meu dono está programando a minha morte e a dele... Socorro! Alguém faça alguma coisa! Ele acaba de acordar!


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