Daniel Costa

21/01/2017 19h15

Começo recordando uma história do noticiário policial: “Ele estava muito feliz porque passou por média, diz a avó do menino Cleyton Osório, morto com um tiro nas costas na noite de quinta-feira, em Macaíba, na Grande Natal. Segundo Cleonice Osório, o garoto saiu de casa para comprar pão quando foi baleado. Os disparos que atingiram Cleyton teriam como alvo um jovem de 18 anos. De acordo com o oficial da PM, o suspeito estava perseguindo um jovem na Rua Valdir Azevedo, onde também estava a criança. Ao ser cercado pelos suspeitos, o rapaz usou o garoto como escudo humano” (natalnews.com. br).

Com farto ingrediente de brutalidade, esse tipo de tragédia é uma espécie de prato de escargot para os defensores da pena de morte. Acreditando numa justiça que imponha penalidade meramente retributiva, no melhor estilo Lei do Talião: “olho por olho, dente por dente”, eles entendem que o criminoso que mata deve morrer. Como, atualmente, os níveis de violência têm explodido por todos os lados, tal linha de pensamento acaba por convencer um bocado de gente.

O problema é que as coisas da vida têm lá suas complexidades, de maneira que é preciso refletir com um pouco de calma sobre essa mentalidade estilo Charles Bronson em “Desejo de matar”. Por isso, como contraponto, trago uma segunda notícia: “Heberson Oliveira é o rosto de um silencioso drama brasileiro (...). Foi preso suspeito de ter estuprado uma menina de nove anos de idade. Ele negou ter cometido o crime e disse que sequer estava em Manaus na época em que tudo ocorreu. Mesmo sem nenhuma prova que o incriminasse, foi indiciado, denunciado e transferido para a Unidade Prisional do Puraquequara. Só dois anos e sete meses depois de ter sido preso é que Heberson foi julgado e considerado inocente. Mas a sentença que o pôs em liberdade não foi suficiente para lhe fazer um homem totalmente livre.
 
Heberson foi estuprado e contraiu o vírus da AIDS (...). Depois que saiu da cadeia, ele morou na casa de sua mãe, mas depois de três crises de depressão, se entregou às drogas e saiu de casa”(uol.com.br).

Essa nota de jornal contém, indiretamente, um dos argumentos utilizados pelas pessoas que, assim como eu, são contra a pena de morte: a irreversibilidade dos erros judiciários. Por ser fácil de ilustrar, acho que o seu poder de convencimento é forte. Afinal de contas, todo mundo consegue se ver vítima do erro de uma decisão judicial, não é verdade?

Pois é. Um dos problemas da aplicação da pena de morte é exatamente o de que ela não abre brechas para correções. Depois que o acusado é justiçado, é impossível voltar atrás. A pena de morte, diferentemente de qualquer outra forma de punição (por mais rígida que seja), fulmina com a vida do acusado. Não por outro motivo, Albert Camus diz que ela pune um culpado, sempre relativo, com um castigo definitivo e irreparável. A pergunta capital é: como jurar que uma pessoa não é inocente?

As condenações injustas, até certo ponto naturais por serem consequências de uma atividade praticada pelos homens, estão aí expostas na mídia. O caso de Heberson Oliveira é apenas um arremedo de exemplo. De todo modo, para quem ainda não se convenceu, deixo, como fim deste artigo e início de reflexão, as palavras de Dostoievski postas na boca do Príncipe Michkin: “Foi dito: ‘Não matarás’. E, então, se alguém matou, por que se tem de matá-lo também?”.


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