Daniel Costa

16/12/2016 11h25
"Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto/ Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto/ é que Narciso acha feio o que não é espelho". Esses são versos de Caetano Veloso, destilados na sua  ultraconhecida canção "Sampa", que entram como um direto de esquerda na cara das pessoas que não conseguem valorizar nada do que lhes é estranho, que está longe dos seus costumes e das suas próprias imagens. 
 
É um negócio intrigante esse de censurar algo que se desconhece. O sujeito vê vários caras numa foto, todos com cabelos bem assentados, de rolex no braço, vestidos com camisetas polos preenchidas com cavalinhos coloridos, e já carimba: playboys fúteis que só falam sobre carros e bandas de forró plastificado. 
 
Isso é bem comum. As pessoas só veem as outras na base do estereótipo. Nunca pensam em trocar algumas ideias, refletir, imaginar que o que é estranho não é necessariamente ruim, e que o ser diferente pode, na verdade, acrescentar algo genuinamente bom. Afinal, nós todos somos humanos. O que já significa muito mais semelhanças do que divergências. 
 
O cara gosta de baladas eletrônicas e de brindar com champanhe Chandon, e o outro prefere Queen e um vinho Galiotto. Mas e daí? Quem disse que eles não são sujeitos bacaninhas?  Será que ambos não apreciam os mesmos filmes de western, detestam o Woody Allen, e trabalham com afinco naquilo que se propõem a fazer, ainda que um seja crooner de uma banda de música pop e o outro seja um cirurgião dentista? 
 
O nó górdio é que é mais fácil jogar as pessoas na vala comum, no buraco do playboy filhinho de papai, do roqueiro cocainômano, ou do liberal conservador. Sempre lembro do lance do movimento punk aqui no Brasil. Ao lado da turma que pensava política e atuava ativamente com músicas que retratavam a realidade do subúrbio, existia a outra dobradiça da porta, o pessoal que só queria saber de curtição e de violência. E isso acabou fulminando a imagem de todos os punks, ficando gravada na memória social a figura do vândalo pichador, que bundeava pelas estações de metrô cometendo pequenos delitos. 
 
Infelizmente, assim caminha a humanidade, com os seus preconceitos, recheada de homens de ideias prontas, que refugam o desconhecido com menosprezo,  sem realizar o menor esforço no sentido de quebrar barreiras, de pular o muro pra ver o que é que existe do outro lado, na casa do vizinho. 
 
Os punks da banda Inocentes, retratando uma realidade que parece nunca ter fim, já cantavam nas quebradas dos anos 80: "De onde você vem?/ Sua classe social?/ Quanto dinheiro tem?/ Será que isso importa?/ Eu quero uma resposta/ Intolerância/ Não, não!". 
 

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