Daniel Costa

29/01/2016 13h49
Ele se debruça sobre objetos inanimados - feitos de madeira, metais, cordas, peles, foles - e lhes dá vida. Uma Fender Stratocaster é apenas um pedaço de madeira cruzado por arames, formando um belo exemplar do design dos anos 50. Só isso. Até o momento em que Hendrix a tomou em suas mãos, saturou a saída, controlou o feedback e nos deu Purple Haze. Sivuca controlou a entrada e saída de ar em uma pesada armação de madeira conectada por um fole e de lá tirou Feira De Mangaio.
 
Reza a lenda que Michelangelo golpeou o joelho de uma de suas estátuas e perguntou “Por que não falas?”. Muddy Waters, Luiz Gonzaga, Eric Clapton, Tom Jobim, Chet Baker, Geraldo Azevedo, Django Reinhardt, Dominguinhos, Robert Johnson, João Donato, Gene Krupa, Naná Vasconcelos... Nenhum deles passou por este drama - suas obras falam e falarão pela eternidade.
 
Dito isso, me declaro politeísta: sou fã de todos os citados e de mais uma centena (também tenho certeza que serei fã de pelo menos mais uma centena que ainda não conheço e talvez ainda nem tenham nascido). Frequento a “Igreja Presleybiteriana” da mesma forma que oro pra lua pagã de Gonzaga. Isso é que é tolerância religiosa.
 
Também respeito todo e qualquer músico que deixe sua arte de lado para ganhar a vida tocando estilos da moda e/ou acompanhando músicos populares. Todo mundo precisa pagar o aluguel e colocar o leite das crianças na mesa.
Lógico que nem tudo são flores...
 
Não perco meu sono com o “fenômeno” Wesley Safadão, mas fico incomodado quando vejo meus amigos o enaltecendo no meu feed com gifs, frases e fotos. Teve até uma petição para colocá-lo como show de abertura para o Iron Maiden em Fortaleza - o que foi compartilhado como piada, eu sei, mas que não deixa de ser revelador.
 
Safadão é um intérprete - sua voz é seu instrumento - e ele sabe usá-la muito bem. Mas vamos encarar que ele é apenas um joguete da indústria. Existe uma enorme entourage que administra todos os passos que ele dá (do shampoo em seu cabelo até as músicas que interpreta), e uma equipe de marketing que faz de tudo para que você se sinta cool ao ouvir um artista que canta músicas que não passam de “isca de piriguete”. Colocando em outras palavras: Safadão é 99% indústria, mas com aquele 1% artístico. Agora, diante da notícia que anda circulando por aí, afirmando que o cara desrespeita os instrumentistas da sua banda, sabemos que nem ele mesmo reverencia seu 1% artístico. No caso, seus músicos e compositores.
 
Safadão faz parte de um pequeno grupo de músicos que não tem meu respeito. Você pode ir aos seus shows (aposto até que são divertidos... eu é que não tenho coragem de pagar R$200), pode ouvir seus discos (seu gosto musical não é da minha conta e não posso pedir que você tenha a mesma relação com a música que eu). Mas lembre-se de que, quando você fica “pagando pau” pro Safadão, você não está “pagando pau” para um músico, e sim para uma indústria que massacra os verdadeiros músicos. 
 
Nenê Sanfoneiro foi demitido pelo Safadão e, com o perdão do trocadilho, acho que foi ele quem se safou deste senhor de engenho metrossexual.
 

 


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).