Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.
Mais um livro está na mira da censura: Capitães de Areia (1937), de Jorge Amado. A defensora de tal feito é a vereadora Jéssica Lemonie (PL), de Itapoá, litoral norte de Santa Catarina. Quando indagada durante a sessão da Câmara Municipal sobre o motivo, a parlamentar justificou que o livro faz “apologia à criminalidade”. Além disso, acusou o autor baiano de ser comunista, sugerindo que sua obra tem por objetivo infiltrar ideias de esquerda no currículo escolar. Em momento algum, ela apresentou parecer pedagógico ou documento técnico que respaldasse o pedido.
Em resposta a essa campanha descabida, a Academia Brasileira de Letras (ABL) se posicionou, emitindo uma nota de repúdio contra a tentativa de censura a livros. Ano passado, o romancista Jefferson Tenório passou por algo semelhante, quando “O avesso da pele” sofreu retaliação de políticos da extrema-direita. A ABL, inclusive, reforçou que Jorge Amado renegou o comunismo em 1956, fato desconhecido pela parlamentar.
Localizada na Segunda Fase do Modernismo, também conhecida como Geração de 30 por fazer um apelo fortemente social, a obra do autor baiano traz a história de meninos em situação de rua – entre 12 e 16 anos – que viviam assaltando os soteropolitanos. A invisibilidade social é tamanha a ponto de não terem nomes e sim a alcunha “capitães de areia”. Pelo seu teor crítico, ela já passou por censura durante o Estado Novo, tendo sido queimada em praça pública. Outro fato curioso é que, Jorge Amado, foi ameaçado por um dos cangaceiros do bando de Lampião por ter se inspirado no movimento ao criar a personagem Volta-Seca.
A verdade é que essa obra toca em feridas sociais abertas em forma de temas sensíveis como a miséria e o banditismo social, assuntos que são caros aos parlamentares brasileiros, herdeiros do coronelismo, não leitores de literatura, que asseguram a manutenção da miséria como projeto político.
O curioso é que essa situação de censura acontece após o resultado de uma pesquisa publicada no final de 2024, “Retratos da Leitura no Brasil“, do Instituto Pró-Livro, que trouxe um dado preocupante capaz de nos fazer pensar sobre qual o lugar da leitura em nossa sociedade digital hiperconectada: o número de não leitores superou o de leitores.
Dizendo isso numericamente, 53% dos brasileiros revelaram não ter lido nenhum livro impresso ou digital. Vale trazer aqui, a título de contraponto, que o Brasil é recordista mundial em tempo de tela por pessoa. Dá para entender porque, nos últimos dez anos, o número de livrarias caiu de 3.073 para 2.972, conforme aponta a Associação Nacional das Livrarias.
E como não há escrita sem leitura, é importante também destacar um agravante: o uso de IA para a produção de texto. Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) constatou a diminuição da capacidade cognitiva em pessoas que usam ferramentas de inteligência artificial (IA) para escrever seus textos. Os responsáveis pelo estudo divulgado no mês passado apontaram o desempenho inferior nos níveis neural, linguístico e comportamental. Dizendo de outra maneira, com o uso da IA, estamos perdendo a capacidade de argumentar.
Diante desse cenário, vale encerrar esse texto com uma pergunta (retórica): a quem interessa manter o povo na mediocridade e na ignorância, bem longe da literatura (que forma e ensina a pensar) e bem perto do mundo virtual (ideal e inexistente)?
Certamente, a saída para esse cenário distópico e desolador não será tornando o Jorge Amado proibidão. Proibir obras literárias colabora com o aumento de uma leva de não leitores.
Foto: Sebo Belle Époque (Acervo pessoal de Ivan Costa)
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