Coluna da SPVA

A Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte (SPVARN), é uma associação literária e artística de utilidade pública, democrática, sem fins lucrativos, com 27 anos de existência e 68 associados de importante atuação no meio cultural do Estado. Nesta coluna, dominicalmente os leitores serão contemplados com autores e autoras de diversos estilos e gêneros literários.

Feito dia de domingo – Uma carta-mensagem de Leila Tabosa para Juliana

29/06/2025 02h57

 Prezados(as)  leitores(as),

Na coluna SPVARN deste domingo a autora Leila Tabosa envia um “Chamingo” em forma de carta-mensagem para Juliana. Leila nasceu em Fortaleza-CE. Mora no RN há quase trinta anos. Escritora associada à SPVA e à UBE/RN. Atua como professora em Mossoró-RN, cidade com a qual se reconhece. Tem graduação em Letras (UFRN); Mestrado em Literatura (UFRN); Doutorado em poéticas da modernidade e da pós-modernidade (UFRN; UNAM/PDSE); Pós-Doutorado em Literatura e Teatro (UFC). Como pesquisadora escreveu “Soror Juana Poeta Cult” (2023); na ficção, “Ela Nasceu Lilás & Outras Mulheres” (2024) – dentre roteiros para teatro, dramaturgia e outros escritos. “O Levante das Águas” é seu livro de estreia na poesia, editora Urutau.

Para Juliana

Quando li a notícia, Juliana, acerca da sua queda e abandono no vulcão da Indonésia, senti por sua partida assim como tem sentido a sua família, assim como temos sentido todas nós pessoas de almas sensíveis e para quem a liberdade dos sonhos e da vida são questões inegociáveis – especialmente para nós mulheres. E então, nesta semana de notícias tuas, eu me vi em ti. Em vez da Indonésia, no México. Voltei para 2013. Abril de 2013. O vulcão Popocatépetl, chamado carinhosamente de El Popo, entrou em erupção. Eu estava em uma incursão de subida a Tepozteco, no município de Tepoztlan. Desci. Estava com outras pessoas amigas que queriam conhecer a grandiosidade asteca em várias das suas dimensões. Em outra vez, eu já havia subido quatro horas de degraus. Mas naquela, viajava só. Para ser mais precisa, encontrei ali várias mulheres viajantes solitárias. Formamos um grupo. À noite, fomos dormir em um dos pueblos mágicos (uma rota bastante visitada no interior do México, a rota do estado de Morelos) para, no dia seguinte, fazermos a rota dos mosteiros do Popo. Na manhã seguinte, acordei tossindo. De olhos fechados ainda, tossia. Ao abri-los percebi que meu corpo estava coberto de cinzas. A companheira de viagem que conheci na trilha do dia anterior disse: “Essa cinza é do Popocatépetl, ele teve um evento eruptivo.” A explosão gerou um manto de cinzas de altura superior a um quilômetro e a fumaça chegou até a Cidade do México (CDMX). Isolaram o vulcão a uma distância de acesso a jornalistas.  Saímos da pousada para ceder lugar aos jornalistas que chegavam. Em vez de ir para Tlayacapan, voltei para a Cidade do México (porque estava realmente tossindo muito) e algumas pessoas foram para Cholula; outras, para Puebla. Juliana, ao chegar à cidade do México, minha caixa de Skype estava lotada de chamadas da minha mãe. A notícia já havia chegado ao Brasil pelos véus da escrotidão (seus medos, suas limitações) e dizia para a minha mãe que eu ia morrer. Assim tentavam assustá-la. Simplesmente minha mãe dizia: deixem-na. Juliana, você se foi não por ser livre, não por ser você, mas por negligência e abandono (isso acontece todo dia). Sei que você faria tudo de novo porque quem vive para valer tem essa natureza indoutrinável. Isso apavora a sociedade e desafia a quem não tem coragem de ser. Obrigada, querida. O manto da moral disfarçado de preocupação nunca vai oprimir nossas liberdades individuais. Juliana, viver é tão perigoso quanto atravessar esquinas e calçadas. O abandono de corpos femininos, de nossas infâncias, de nossas velhices nos mata todos os dias e em todas as dimensões. Seguiremos viajando atentas a nós mesmas, pois isso perpassa também pelo seu "se sentir e ser livre" como sendo também nosso.  Você não se foi por ser livre. E todo mundo sabe disso. Descanse em luz.

Com afeto, respeito e admiração.

Leila Tabosa.

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Revisão: José de Castro

Coordenação da coluna no âmbito da SPVA/RN: Adélia Costa

 


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