Théo Alves

10/01/2021 10h10
 
A vida é miúda
 
A vida é miúda. Um bocado miúda. Mas quando olhamos nossos dias, metas, expectativas e realizações, a impressão é de que a vida deveria ser enorme: cheia de coisas importantes, grandiosas, napoleônicas, colossais. Como se todos nós viajássemos em conquistas de Colombo, espalhando nossas vidas pessoais em fotos, selfies, check-ins, vídeos e coisas do tipo, porque somos as pessoas mais interessantes do mundo.
 
Fotografamos nossa comida, criamos pequenas ilusões de felicidade publicadas nas redes sociais, escrevemos a aventura com um mendigo a quem demos um sanduíche e de quem recebemos uma lição de vida, tudo isso porque queremos fazer crer que somos as pessoas mais interessantes do mundo, nos recusando a admitir que a vida de fato é miúda, muito miúda.
 
Miúda como uma lembrança engraçada que nos ocorre enquanto esperamos no sinal fechado. Ou a miudeza de um banho largo depois de fugirmos do calor infernal de uma tarde de terça. Miúdo como acertar o ponto da comida a que todos comem com gosto, mesmo que digam poucas coisas. Bem miudinha como se espalhar no sofá e ler o livro certo no momento mais preciso. A vida é miúda sem a necessidade de encontrar um sentido grandiloquente para ela: sem precisar dizer que os filhos são o sentido da vida ou mesmo aquela bobagem de escrever livro e plantar árvore, coisa e tal.
 
Retirar um livro da estante, cheio de lembranças e frases sublinhadas, rever uma foto de que se gosta muito, falar sobre um filme muito bom que você viu, deitar-se no sofá fazendo cafuné em quem se ama, rir com os amigos sobre as bobagens mais bobas do mundo, terminar um dia de trabalho com a sensação de que nos cansamos menos do que o previsto ou a felicidade miúda de termos feito algo bom, todas essas são miudezas da vida miúda: a matéria pequena e essencial dos dias.
 
Porque são raras as conquistas enormes. São eventuais. As formaturas, os livros escritos, os prêmios conquistados, as coisas que só acontecem uma vez etc. Tudo isso é importante, mas não é essencialmente a vida. Toda a grandiosidade das coisas grandes são marcos, são mementos, mas não são a vida. A vida é sempre miúda e diária, como se fosse sempre uma quarta-feira.

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