Théo Alves

21/06/2020 00h02
 
 
A truculência como estratégia de governo
 
Um governo de ideias tão curtas como o de Bolsonaro não precisa ter mais de uma palavra que o defina e “truculência” parece muito precisa para tal. Na verdade, mais do que ao governo, o comportamento truculento resume a estratégia de Javier Bolsonaro, como Trump o chama, em toda a sua vida política. O ex-paraquedista do Exército, reformado após seu envolvimento em um possível motim e num plano para detonar bombas em locais estratégicos do Rio de Janeiro. Nunca é demais lembrar que, neste caso, “reformado” é o termo usado para amenizar o resultado de ações que o obrigaram a se afastar. 
 
Já tivemos inúmeras chances de testemunhar a truculência de Bolsonaro e não digo isso apenas pelos últimos dois anos. Nós pudemos ver muitos discursos de um até então insignificante político que arrotava violência e vomitava truculência aos litros. Todos nós ouvimos de um ainda jovem político as louvações à ditadura militar, para as quais suas críticas estavam no baixo número de assassinatos, como ele mesmo disse: matou pouco, deveria ter matado pelo menos 30 mil pessoas. Bolsonaro já pode comemorar a superação dessa meta que, se não foi batida pela ditadura militar, foi alcançada por sua truculência e irresponsabilidade ao conduzir o país por suas quase 50 mil mortes por Covid 19.
 
Podemos lembrar de muitos outros exemplos patrocinados pelo capitão: o voto favorável ao impeachment de Dilma Rousseff, que foi dedicado ao hediondo torturador Brilhante Ustra, a quem Bolsonaro chamou de “herói” e “pior pesadelo” da então presidenta; as tentativas de revisionismo barato e infundado da história são exemplos da estratégia adotada por Bolsonaro, como a insistência em negar que houve um golpe militar em 1964, a que chama de “intervenção democrática”; todas as aberrações que já usou ao se referir a mulheres, homossexuais, negros e índios; o símbolo da arma feita com os dedos e alusiva à violência, estimulada até entre crianças; além de todo o vocabulário bélico, que inclui “metralhar” seus adversários. A truculência mais recente foi jogar os cães famintos da justiça de bolso contra o chargista Aroeira, que sintetizou tão bem o atual governo ao transformar a icônica cruz vermelha da saúde em uma suástica. 
 
Embora seguida à risca por seus filhos, a conduta truculenta do presidente não é apenas uma característica sua e de sua prole malcriada. A truculência tem assumido ares institucionais desde que ele chegou à presidência, transformando-se numa estratégia de governo. Não à toa, temos visto seus filhos defenderem o fechamento do STF e do Congresso Nacional, por exemplo. A reunião ministerial que serviria como prova da intervenção do presidente na Polícia Federal é um espetáculo bruto dessa truculência: um encontro institucional marcado por palavrões, chamamentos à violência armada, ameaças a outros poderes sem a menor discrição, discursos de ódio, preconceituosos e racistas guiado por Bolsonaro e encorpado por seus ministros. 
 
As notas e cartas ameaçadoras vindas das mais diversas figuras de seu governo ao menor sinal de descontentamento com os outros poderes tornaram-se uma constante. Interpretações viciadas das leis, distorcidas até gemerem o que quer o presidente, ampliam o leque da truculência. Mais de uma vez já vimos a insinuação militar de tomada dos poderes em nome de uma democracia de mentira. Perdemos a conta das participações de Bolsonaro em movimentos mais que suspeitos, cuja pauta variava de um novo AI-5 até a ameaça a juízes que compõem o STF. Os seus apoiadores, que defendem abertamente essa violência e descriminalização das fake news, como os 300 de Brasília (que apesar do nome, são apenas 10% disso), formam uma linha de frente barulhenta, que ameaça e chama para a porrada até serem confrontados e chorarem copiosamente em nome da covardia. 
 
A falta de estratégia para o enfrentamento da Covid 19 é um enorme espetáculo de truculência. Vale lembrar que tivemos quase uma semana de isolamento social bem feito, até Bolsonaro se pronunciar contra a quarentena e promover uma diáspora absurda entre economia e saúde. Os ataques continuaram semana após semana, dirigidos a governadores e prefeitos, empurrando para as costas destes a responsabilidade sobre o fracasso do isolamento que ele propôs boicotar. 
 
Nestas últimas semanas, Bolsonaro ultrapassou novamente os limites do bom senso e da justiça ao convocar sua horda para invadir hospitais pelo país e filmar sua ocupação afirmando se tratar de “fiscalização” do uso de dinheiro público. Essa violência instigada pelo presidente (como foi violenta sua defesa criminosa da Cloroquina no tratamento da Covid 19 ou o despejo de ministros da saúde em plena pandemia por estes preferirem a ciência, ou ainda os novos protocolos que mascaram os números de infectados e mortos pelo Corona vírus) tem provocado cenas tenebrosas de invasões e ameaças a pacientes e profissionais de saúde que já enfrentam outras lutas. 
 
Mas é preciso admitir: ninguém pode se queixar de incoerência por parte do governo. A truculência que conhecíamos há décadas apenas assumiu seu espaço nos salões oficiais, tornou-se uma estratégia de governo, um parâmetro, como já se desenhava. Resta saber quando essa truculência será respondida à altura ou se apenas veremos os tacos de beisebol apelidados de direitos humanos e as pantomimas de bombas no STF explodirem sobre nós, respondendo com passividade à violência instituída.
 

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