Cefas Carvalho

07/11/2018 00h37
 
O estranho "culto à ignorância" que está surgindo no Brasil de hoje
 
 
Um dos assuntos da semana - e olhe que ela foi rica em temas - foi o fato de algumas pessoas em sessões de cinema pelo país terem vaiado no filme "Bohemian Rhapsody" as cenas em que Freddy Mercury (o lendário vocalista da banda Queen, vivido pelo ator Rami Malek) beija homens no filme.
 
O non-sense deste tipo de coisa é gritante. Poderíamos debater em primeiro lugar a homofobia, que é não aceitar que uma pessoa goste e se envolva com outra do mesmo sexo. Em seguida, debateríamos a grosseria e incivilidade, que é se manifestar de maneira escandalosa a algo que por alguma razão não lhe agrada. Mas, este texto fala de uma terceira análise possível: a ignorância.
 
Afinal, em pleno 2018 com quase toda a população tendo acesso a internet e plataformas como You Tube e Netflix, ainda tem gente que não sabe que Mercury, falecido em 1992, era gay assumido e tinha relacionamento estável no fim da vida com um homem, Jim Hutton. A homossexualidade de Mercury, inclusive, é bem perceptível em letras da banda em videoclipes. 
 
Mas se ignorar fatos tão conhecidos é minimamente perdoável, o que dizer que alguém que vai assistir a um filme sem pesquisar o mínimo sobre ele? Que paga para assistir a uma biografia de um rock star e não se interessa em assistir três ou quatro clipes da banda (afinal, "sacaria" sobre a sexualidade de Freddy).
 
Podemos fazer um paralelo com outro non-sense: a indignação de "fãs" de Roger Waters, lendário baixista e compositor da banda inglesa Pink Floyd, porque este protestou no meio do show, às vésperas da eleição, contra o Fascismo e quem o representa no Brasil. Teve quem gravasse vídeos indignados e quem reclamasse no Procon o dinheiro do (caro) ingresso de volta, alegando que foram ouvir música, não ouvir sobre política. Ora, Waters, que teve o pai morto na II Guerra pelos nazistas, pontuou boa parte de sua carreira ao combate ao totalitarismo, que é justamente "o tijolo no muro" tão cantado na clássica "Another brick in the wall". O próprio filme baseado no álbum é uma crítica direta e contundente ao Fascismo e totalitarismo. Mas, os "fãs" de Waters não ouviram dessa maneira...
 
Na verdade é preocupante essa glorificação da ignorância em voga atualmente, muita gente já se detém com atenção neste tema. Vivemos uma época em que as redes sociais democratizaram não apenas a informação, mas o direito á opinião. O problema é que boa parte dos usuários opina sem absorver a informação. Umberto Eco, escritor italiano já falecido, escreveu sobre isso em frase muito citada: "As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis".
 
Como jornalista, escritor e mesmo como ser humano observador do que está a minha volta, tento não ser tão radical quando Eco. procuto entender as relações entre as pessoas e a tecnologia que dispõe e de que maneira as informações chegam até elas. 
 
Mas, o fato é que esse culto à ignorância pode estar, infelizmente, virando uma espécie de "política". Temos um presidente eleito que já declarou em entrevista que "os jovens brasileiros têm obsessão por um diploma". E que já se mostrou favorável ao ensino á distância, mesmo com os pedagogos enfatizando a importância do ensino presencial.
 
Para finalizar, percebo que começa a surgir até mesmo um orgulho desta ignorância. Ou seja, algo que antes era omitido, abafado, hoje é apresentado quase que como um troféu. Como nos comentários em portais jornalísticos (incluindo este Portal PN). Onde se publica um texto elaborado, de um especialista na área ou alguém que há anos pesquisa o tema, e, de repente pula um "entendedor" do assunto. Questionado sobre o conhecimento que tem para poder opinar, invariavelmente a resposta é: "Só porque tem diploma acha que é muita coisa". 
 
Estudar para quê, né? Se temos os grupos de Zap e tutoriais no You Tube pára saber de tudo.
 

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