Cefas Carvalho

03/09/2018 23h59
Crônica da morte de um museu anunciada
 
Sobre o Museu Nacional, destruído pelas chamas e pelo descaso, eu poderia falar do impacto nele na minha infância, quando de férias em Niterói e São Gonçalo mamãe me levava a São Cristóvão, Zona Norte do Rio, para ver as múmias e os dinossauros. Criança de mente fértil e sede de conhecimento, tudo aquilo me parecia mágico, um mundo paralelo. Com os problemas de saúde vividos atualmente por mamãe, associar esta lembrança com o museu que não mais existe ganhou ares ainda mais melancólicos.
 
Mas, poderia falar ainda da última vez - literalmente - que fui ao museu extinto. Fevereiro de 2016, quando o museu sequer estava no roteiro posto que eu e a amada Jeanne Araujo havíamos lido que ele estava "fechado provisoriamente". Mesmo assim fomos à Quinta da Boa Vista, ver os jardins e o lago, e qual foi a surpresa em constatar que o museu reabrira havia alguns dias para visitação. Para Jeanne, que o via pela primeira vez, foi um alumbramento, como é para ser. Para mim, o reencontro com um lugar mágico. Porém, visivelmente deteriorado. Apenas um vigia na entrada. Funcionários dispersos. Andares inteiros fechados, "em manutenção". Paredes e janelas perceptivelmente desgastadas. Tapumes sujos interditando salas. Lugar mágico, mas, abandonado. A euforia em estar lá mascarou a sensação de que uma tragédia, poderia, sim, acontecer.
 
A última coisa que vimos no museu foi justamente (e ironicamente) o meteorito que sobreviveu às chamas.
 
Detenho-me nas impressões pessoais para não pensar no horror a grosso modo: nas pesquisas destruídas, no acervo exterminado, na história que se perdeu, no simbolismo da destruição. Há muito o que se falar sobre e já há gente capacitada falando sobre o tema. Por ora, o objetivo é me refugiar nas reminiscências e nas impressões pessoais do que não existe mais.
 

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