Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror.
Damião passa apressado. Dobra a esquina, sequer consegue tempo para diminuir o passo. Meio-dia e meia, hora de almoço, o cliente das 13h já a caminho da barbearia. E ele, com sua determinação incansável, seguia pela Rua Alberto Silva, próximo a um ponto dela que engole gente: a esquina que dá acesso ao shopping mais popular da cidade.
No exato momento em que poderia fazer uma pausa para respirar e buscar abrigo debaixo de uma marquise ainda úmida de chuva, a estrutura de concreto se desprendeu e o atingiu em cheio.
Alguns passantes pararam, os carros reduziram a velocidade diante do fatal acontecimento. Pequenos metros separavam a vida (de todos que viam a fragilidade humana) da morte instantânea (de Damião). Ele não morreu na contramão. Seu corpo de 81 anos carregava o cotidiano do trabalhador brasileiro.
Era o prédio que estava em construção, sem tela de proteção, sem tapume de obras, sem placas de sinalização. Podia ser qualquer um que passasse debaixo da marquise, mas o relógio do destino escolheu Damião, o homem que não queria deixar o cliente esperando.
Seus olhos fecharam antes mesmo que sentisse a respiração indo embora debaixo da laje que passou a lhe cobrir. Às 13h, os bombeiros foram acionados. Os moradores conversavam de uma ponta a outra da rua, as emissoras de TV noticiavam a morte de um homem não identificado, enquanto bem próximo dali o cliente reclamava o atraso do pontual barbeiro.
Sem identificação nos bolsos dele, a chegada do rabecão dava a resposta aos curiosos. A vida seguiu com pessoas voltando ao trabalho, com a fila de carros para entrar no shopping, com a omissão dos responsáveis pela obra.
Do outro lado da rua, de uma janela discreta do apartamento 201, uma jovem acendera uma vela para Damião. A vela queimou durante todo o episódio, na velocidade de uma vida, a vida do barbeiro de identidade desconhecida pelos veículos de comunicação. Ninguém se dignou a informar seu nome: os curiosos que passavam não o conheciam; os que o conheciam, não acreditavam.
O toco de vela apagou-se às primeiras gotas da chuva que voltava a cair.
Texto em memória de Damião Bezerra de Oliveira, morto em 05/06/2025.
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).