Eliade Pimentel

08/08/2022 09h20

 

O que temos para o almoço?

 

No primeiro dia que comecei a trabalhar no meu atual serviço, eu fui olhar o restaurante self-service que tem no andar inferior e considerei que não precisaria me preocupar com almoço. Saladas, proteínas, carboidratos, tudo colocado com parcimônia daria para passar a necessidade de levar minha própria comida. Com o passar dos dias, o prato que dava menos de 10 reais passou a pesar um pouco mais.

Primeiro porque o valor aumentara devido à inflação galopante, consequência desse desgoverno federal o qual temos sido submetidos desde 2019. Segundo porque às vezes a fome é quem monta o prato. Isso fez com que eu começasse a repensar essa relação de consumo. Meu soldo não aumentou, pelo contrário, e os extras não estão rentáveis como antes, de modo que comecei a sentir no bolso e no estômago que era hora de mudar.

Ao mesmo tempo, uma reforma veio bem a calhar na firma: ganhamos uma copa com geladeira, micro-ondas, sanduicheira, além do fogão, que também temos acesso, e a hospitalidade das copeiras, que são gentilíssimas. Sim, temos onde armazenar e aquecer a comida, mas, o que levar para o almoço? Confesso que não tenho tido muito desejo de cozinhar. Estou bem relapsa nesse aspecto. No entanto, li não sei aonde que comer dois ovos por dia é muito saudável.

E me toquei: ovos cozidos! Fácil, barato e rápido. Enquanto me arrumo, contabilizo 10 minutos entre acender o fogo e a fervura. Bingo. Testei colocá-los no meu copo térmico e não ficou o cheiro. Uso o copo normalmente depois. Bem, se é para comer ovos, que sejam caipiras. Comecei a frequentar novamente a feirinha da agricultura familiar no centro administrativo – a sede do governo estadual, onde trabalho – e as ideias têm surgido naturalmente.

Apaixonei-me pelo alho-poró e no meio da paquera com aquele maço bonito, encontro um amigo que adora cozinhar. Ele disse que faz risoto com esse vegetal. Não deu outra. Com o arroz agroecológico da Terra Livre, cooperativa do Sul ligada aos camponeses assentados do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), fiz minha versão do prato que não seguiu a técnica de risoto – com vinho branco e arroz arbóreo – mas serviu de inspiração.

Usei manteiga da terra para refogar os grãos e os vegetais e finalizei com queijo manteiga, que ao ser aquecido no micro-ondas devolve a textura cremosa. Outra opção é fazer salada com os vegetais que eu compro: folhas e cenourinhas agroecológicas, acompanhadas dos deliciosos e saudáveis ovos caipiras. E assim, comer no serviço se tornou uma forma de conhecer mais as pessoas que trabalham conosco, de partilhas, pois a gente acaba socializando alguma coisa, nem que sejam ideias de o que levar para o almoço ou o café da manhã.

Sim, este é outro exercício, pois dificilmente como pela manhã em casa, a não ser uma limonada com própolis. Tem dias que até essa vai sendo consumida no trajeto. Na verdade, tenho ansiedade, o que me deixa bastante enjoada, e também pego carona. Então, saio correndo, sem habilidade nenhuma para deglutir qualquer coisa. De modo que, ao pegar no batente, estava me distraindo a ponto de sentir fome. E não gostei dessa sensação, de não ter algo saudável ou ao menos razoável (diga-se, econômico e prático) para comer.

Comecei a pensar em coisas que eu amo, como iogurte natural que eu mesma faço, ou frutas com granola ou aveia, e até o pãozinho que às vezes compro a mais na padaria, no qual pingo umas gotas de manteiga (da terra, sempre) para tostar na sanduicheira. Levei um pacote de leite em pó, para matar o desejo eventual de um café com leite, e assim, a cada dia, vou aprendendo a levar algo para comer no trabalho.

A parte mais preciosa que pensei em compartilhar sobre essas vivências é que, para o trabalho, devemos sim pensar em coisas que comemos em casa. Ninguém precisa ostentar uma marmita chique. Se na sua casa tem ovo, leve-o. Se o cardápio é camarão, idem. O importante é pensar no que vai comer. Não falei ainda deles, mas os tubérculos são perfeitos. Macaxeira, batata doce, inhame... Combinam com proteínas e com vegetais.

Desde o meu primeiro emprego formal, há 25 anos, esta é a primeira vez em que sinto respeito no ambiente de trabalho quanto a uma necessidade fisiológica vital para todo mundo, que é a alimentação. Sinto-me grata por fazer parte de uma equipe tão privilegiada. Se ainda tem dúvidas, frequente feiras agroecológicas e permita-se. Afinal, você é o que come.

    

 


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