Andreia Braz

22/12/2021 10h16

 

As sutilezas do amor 

 

O silêncio, aprendo, pode construir.

 É um modo denso/tenso – de coexistir.

 Calar, às vezes, é fina forma de amar.

 

Affonso Romano de Sant’Anna

Sempre achei que paixão avassaladora fosse sinônimo de início de namoro. Depois que conheci Lula, meu namorado, comecei a pensar um pouco diferente. Digo isso pela forma como ele demonstra os sentimentos e também porque passei a compreender que cada um ama a sua maneira e certas atitudes (ou a falta delas) não significam, necessariamente, ausência de um sentimento mais profundo. Chico César tem razão quando diz que “Extremos se atraem, se aproximam / E se completam como sombra e luz”.

Quem me conhece sabe que sou uma pessoa intensa, que vive a vida com alegria e paixão. No amor, não seria diferente, me entrego de corpo e alma ao que sinto e vivo cada momento como se fosse o último. Meu tempo é quando, como diria o poetinha. Lula, ao contrário, é um pouco mais reservado, tanto nas atitudes quanto nas palavras. E isso lhe confere até um certo charme, sempre digo a ele que adoro sua timidez. Mas ele sabe, assim como Adélia Prado, que “A coisa mais fina do mundo é o sentimento”. No início, ele se assustou um pouco com meu jeito de ser/demonstrar meus sentimentos, talvez por pensar que isso implicaria em querer um compromisso sério de qualquer maneira, por exemplo. Depois que me conheceu um pouco melhor, disse que ficou mais tranquilo; entendeu finalmente que eu só quero viver o que há pra viver e ser feliz ao lado dele até quando isso for possível pra nós dois. Se o namoro terminar, continuaremos sendo amigos, com a mesma admiração e respeito que temos um pelo outro. A filha mais nova dele, Ana Luiza, mesmo sem me conhecer pessoalmente, definiu tão bem minha personalidade, ela disse que tenho os sentimentos à flor da pele. Lula sempre conversa com ela sobre nós dois. Acho tão bonita a amizade/parceria deles.

Estou aprendendo muito com ele e uma das lições mais importantes dessa nossa convivência, mesmo ainda muito recente, é que devo continuar sendo exatamente como sou e demonstrando o que sinto, seja com palavras, seja com atitudes. E por falar em atitude, no último final de semana ele me surpreendeu com um certo presente. Em pleno sábado à noite, quando planejávamos tomar um vinho, me trouxe um prato especial, que havia preparado para o almoço dos filhos naquele dia, uma lasanha de berinjela. Confesso que me surpreendi com o sabor do prato, não por falta de talento do cozinheiro, que já me presenteou com outras iguarias, mas por não está tão acostumada a comer pratos vegetarianos. Quando lhe telefonei para agradecer pelo mimo, perguntei se poderia me viciar naquela lasanha. A resposta foi sim. 

Se fosse listar as pequenas gentilezas dele, preencheria boa parte da crônica com seus gestos de carinho, mas vou citar apenas algumas para não aborrecer o leitor. Afinal, outro dia ocupei a página com um texto sobre o início do nosso namoro e partilhei um pouco da nossa história e da alegria de ter encontrado um parceiro de vida, além de namorado, amante, cúmplice.

A cada novo encontro ele surpreende com atitudes gentis, e não apenas dedicadas a mim como sua namorada, mas também a amigos nossos, vendedores ambulantes, garçons/garçonetes ou mesmo pessoas desconhecidas. Isso me comove tanto. Outro dia, por exemplo, ele se atrasou para um encontro nosso porque foi ao mercado fazer uma feira para um homem que o abordou na rua e pediu ajuda para alimentar os filhos. Isso sem falar na sua comoção com alguns vendedores ambulantes ou pessoas em situação de rua que nos abordam em nossos momentos de lazer.

Todos os dias agradeço por esse encontro e sempre que possível digo a ele o quanto é especial e o quanto o admiro. À medida que vamos nos conhecendo, e ele vai me contando sua história de vida, essa admiração tem crescido cada vez mais. Outro dia, por exemplo, falei: estando contigo, eu não teria outro caminho a não ser te amar. Não falo apenas como namorado, companheiro, mas como ser humano, pela sua bondade e compaixão com os nossos irmãos. Outro dia, pude compreender um pouco de sua essência a partir de uma certa declaração sua sobre formação de valores: com a mãe aprendeu a bondade e com o pai, a firmeza.

Nosso penúltimo encontro foi tão especial, do jeito que ele gosta, com música, bons papos, cerveja. Meu amigo Cláudio Everton nos acompanhou no show de encerramento do Festival Gastronômico do Beco da Lama, o Pratodomundo. Uma noite memorável. Uma noite de encontros, reencontros, abraços, sorrisos, partilhas. Adoro esses momentos. Amo vê-lo feliz, curtindo a música intensamente. Sua carne é de carnaval. Nosso último encontro foi um pouco diferente. Por sugestão dele, decidimos ficar em casa e tomar um vinho, o que acabou não acontecendo. Sei o quanto ele adora sair no sábado, tomar sua cerveja, ouvir música, mas abriu mão disso em respeito a uma questão familiar de minha parte. Jamais esquecerei esse seu gesto de carinho/solidariedade. Nossa manhã de domingo foi surpreendente. Enquanto saboreávamos um café, li alguns textos pra ele, uma crônica de Clarice Lispector, “Amor imorredouro”, e um trecho do livro “O meu pé de laranja Lima”, José Mauro de Vasconcelos. Ele assistiu a novela e ficou encantando com o livro. É tão lindo ver a reação/identificação dele perante os textos escolhidos (eu sempre acho que ele vai gostar e até agora tenho acertado). Durante e depois da leitura, alguns comentários sobre os textos, os autores... Depois, folheamos duas biografias de Frida Kahlo e um diário da artista mexicana que virou um ícone pop e um símbolo do movimento feminista. Assim findou nosso encontro.

Estamos juntos há dois meses, pouquíssimo tempo para alguns, mas o tempo que passamos juntos nos permite tantas coisas, tantas partilhas, que por vezes tenho a impressão de que estamos namorando há anos, tamanha a nossa afinidade e o entendimento um do outro, além do desejo constante de estarmos juntos e compartilharmos o que a vida tem de melhor, mas também as nossas dores, as nossas perdas, as nossas inseguranças. É tão mágica essa sensação de conhecer o outro, de começar a entender certas atitudes e até prevê-las em alguns momentos. Em certos momentos, ele já espera algumas reações minhas depois de certas declarações/brincadeiras. 

Nossa convivência é leve, divertida, musical, poética, e espero que ela continue exatamente assim. Que sigamos sendo amigos e companheiros, que saibamos entender um ao outro e tenhamos a certeza de que não estamos sozinhos. Aliás, essa sensação de segurança é uma das bases da nossa relação. Que seja sempre assim, meu bem. Muitas vezes, bastam alguns minutos de conversa ao telefone pra eu me sentir mais tranquila e confiante em relação a alguma dificuldade que eu esteja enfrentando. 

Com você, estou aprendendo que o amor tem várias linguagens e cada um ama a seu modo. As ligações/mensagens diárias, as brechas na agenda, as canções/poemas dedicadas ao ser amado, o desejo constante de estar juntos, são finas formas de amar. 

Encerro esta crônica com uns versinhos de Manuel Bandeira que traduzem um pouco do que desejo para o meu garoto, uma forma de agradecer as pequenas gentilezas e o afeto a mim dedicados:


Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
– Eu soubesse repor –
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

 

 


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).