Renisse Ordine

22/10/2020 00h24
 
 
Eu me apaixonei pelo livro certo
 
 
Entre tantos livros pelas estantes de uma biblioteca, eu me apaixonei pelo livro certo, aquele que encheu os meus olhos pela capa, leitura e a fascinação do mundo literário. 
 
Sou de família simples, nascida no interior de Minas Gerais, em uma época em que a televisão era o bem de consumo mais caro que uma família poderia ter e não tinha livros em casa. Sempre estudei em escola pública, mas tudo muito diferente do que é hoje. Eu, particularmente, sentia uma felicidade incrível por estar naquele ambiente e morria de medo de não entregar a tarefa. 
 
Nunca foi a aluna perfeita, mas fazia o que esperavam de mim, estudava e procura não tirar notas vermelhas, lembro-me que eu sofria por não saber resolver um problema matemático no quadro, quando a professora me chamava. 
 
Eu tinha a mania, antes de começar o ano letivo, de cheirar e folhear as folhas em branco dos cadernos que a minha mãe comprava. E escolhia cuidadosamente qual deles seria o de matemática, o que me daria sorte para enfrentar mais uma temporada de números. Eu nunca gostei dos números, e nem eles de mim. 
Agora, com as letras foi amor à primeira vista. Aprendi a escrever o meu nome quando era bem nova. E para escrever o alfabeto, imaginava cada letra sendo um bichinho, ou uma gota, como era o caso da letra S. 
 
Já com os livros, a história foi bem diferente. Com sete anos de idade, ainda não tinha entrado em uma biblioteca. Claro, havia a da escola, mas era de uma forma diferente o acesso que nos era permitido. 
 
A primeira vez que eu entrei em uma biblioteca de verdade, foi um dos maiores encantamentos que tive. Estava com minhas amigas de escola, e eu tinha nove anos. Era uma sala relativamente pequena, mas com duas estantes que tomava a parede, uma de frente para outra. Nós ficamos lá olhando livro por livro, por um bom tempo.
Até que eu o encontrei o livro pelo qual me apaixonei. O nome da minha paixão é “O Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda”, um livro de capa dura e da cor azul. Eu queria ficar com ele, de qualquer maneira. Foi quando a bibliotecária me disse que eu poderia fazer uma ficha e levá-lo emprestado. Só tinha um detalhe: um adulto precisava autorizar. 
Isso parece ser uma questão fácil de ser resolvida, eu iria até em casa, minha mãe assinaria e voltava para buscá-lo. Mas como diz Drummond “No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho”.
 
E esta pedra era o relógio. Pois faltavam 30 minutos para fechar a biblioteca e eu não morava perto dali. Mas apaixonada como estava pelo rei Artur, fiz o que o meu coração mandava: corri como nunca mais consegui correr na vida até a minha casa. 
 
Relembrando este episódio, passa um filme em minha mente: o desespero, a correria, as amigas gritando “vai, vai, vai”, e os ponteiros do relógio tentando ser rápido do que eu. Não conseguiram, eu venci. 
 
Quando eu digo que me apaixonei pelo livro certo, é porque tudo valeu muito, cada momento e detalhe. Lembro-me que o devorei, e o li em poucos dias, curtindo cada página. E, como meu primeiro amor literário, até hoje guardo no coração essas lembranças. 
 
Ele não somente foi a pedra fundamental em minha vida literária além da escola, como também me pegou pelas mãos, influenciando-me aos meus gostos culturais:  História em geral e particularmente a cultura celta. 
 
Isso foi mais além, atualmente, sinto uma paixão indescritível pela oralidade, chegando até a cultura regional, na linguagem caipira e as histórias que nascem no meio do povo. 
Assim, tornei-me leitora, pesquisadora e como diz a gíria “rato de biblioteca”. Este relato também foi para reforçar a ideia de que há o livro certo para cada pessoa, e que o despertar pela leitura pode acontecer a qualquer momento em nossa vida, de maneira natural e não forçada, como muitos tentam fazer principalmente com as crianças. 
 
Ninguém se apaixona por imposição, o que devemos fazer com nossas crianças e, por que não, com os adultos, é proporcionar encontros. O livro certo estará em algum lugar, basta se permitir e, aos outros a estarem vulneráveis para que este encontro ocorra e te transforme como pessoa. 
 
O primeiro livro a gente nunca esquece! 
 
 
 

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