Andrezza Tavares

25/11/2018 02h09
Problematizações sobre o uso de câmeras ocultas e a ética interpessoal
 
A produção de imagens por meio de câmeras escondidas é um tema pertinente e necessário para ser ponderado pela sociedade atual. O contexto recente é marcado pela ampla democratização das mídias móveis (smartphones) em que o modo vídeo é uma tecnologia obrigatoriamente presente nos novos eletrônicos, estando, inclusive, entre as possibilidades funcionais mais utilizadas. 
 
O uso acessível do vídeo como recurso de produção de imagem e conteúdo, seja pelos usuários amadores ou pelos profissionais da comunicação social, acontece muitas vezes associado à banalidade do componente ético.
 
Considerando a ampla incidência social do uso, bem como as consequências irreparáveis que podem incorrer na vida das pessoas, o uso de câmeras ocultas precisa ser pensado como uma proposição emblemática, polêmica e perigosa pela crítica social. 
 
Se o debate ético sobre a utilização de câmeras ocultas é fundamental para os usuários leigos, podemos afirmar que o seu debate é extraordinariamente mais importante para os profissionais da comunicação social. Sendo assim, é para eles que se destinarão as problematizações das linhas que seguem.
 
 É fundamental aos jornalistas reconhecerem que não é ético denunciar uma situação de corrupção só porque lhes parece que assim seja. Por isso, antes de expor as pessoas por meio das imagens vivas das câmeras, é fundamental a apuração atenciosa, com o máximo de provas documentais, que qualifiquem a situação da suspeita. 
 
Um aspecto correlato à discussão das câmeras diz respeito à relação entre jornalista e fontes. É bem possível que o jornalista usuários de câmeras escondidas passe a sofrer uma desconfortável relação de desconfiança em relação às fontes. Esse fato merece destaque pois as fontes são valiosas conquistas no campo do jornalismo. O vínculo com esses colaboradores deve se nutrir na confiança, jamais no medo, no comprometimento ou na dependência subserviente, prerrogativas evidenciadas com frequência quando a relação envolve o uso de imagens ocultas. 
 
Outro ponto a se pensar é que mesmo com os discretos suportes para filmagem de imagens, muitas vezes, o jornalista com câmera oculta precisa se fazer passar por um personagem. Para isso, incorre na prática da falsa identidade e isso é crime previsto no artigo 307 do Código Penal Brasileiro. 
 
Com o desejo de ética impregnado no pensamento, quanto mais problematizamos sobre o uso de câmeras ocultas mais constatamos que o jornalismo competente é aquele ancorado na atividade básica de reportagens. A reportagem investigativa faz parte das rotinas dos jornalistas competentes, comprometidos com o respeito, com a integridade e a credibilidade da profissão. Quem é rigoroso nas metodologias tradicionais do jornalismo, invalida a crença na plenitude e no absolutismo das câmeras escondidas.    
 
Nessa direção de desaprovação do uso de câmeras ocultas convém ainda apontar que: 1) a câmera oculta deve ser metodologia de trabalho da polícia e não do jornalismo; 2) a forte invasão da privacidade pode levar as pessoas expostas, inclusive, à prática de suicídio, antes das sentenças legais de seus julgamentos; 3) os maiores beneficiários de produções jornalísticas com câmeras ocultas são profissionais leigos comprometidos com os interesses capitalistas da audiência sensacionalistas; 4) o uso da câmera escondida é tão prejudicial à ética do trabalho jornalístico quanto as ligações grampeadas e o uso de gravadores sem consentimento seja da justiça (princípio do campo do Direito chamado árvore dos frutos envenenados), seja do sujeito entrevistado ou observado; 5) até mesmo no jornalismo investigativo a licença judicial para o uso da câmera deve ser concretizada para garantir a saúde moral e ética dos dados coletados, bem como, para assegurar a própria integridade do jornalista que após o trabalho realizado, pode em efeito reverso, responder ao júdice sobre a sua prática de invasão de privacidade.    
A função social do jornalismo é mediar, contar, orientar, transformar interlocutores em cidadãos críticos, informados e conscientes de seus direitos e deveres para que se configurem donos de suas próprias opiniões. Sendo assim, concluímos com a sensação de que para os profissionais da comunicação deve ser muito mais necessário o porte de credibilidade do que o porte de câmeras ocultas. É muito desafiante escolher a ética como o ponto de partida e de chegada do jornalismo... Mas, sem dúvida, é uma alternativa possível. Pensemos sobre isso!!!
 

 


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