Andrezza Tavares

24/07/2018 13h23

A experiência humanizadora do CAPS João Câmara: Teorias de Paulo Freire em ação

 

Francilene Cosme da Silva Rebouças 

Janaína Nunes Rodrigues 

Jéssica Severo da Silva 

Andrezza Maria B. N. Tavares    

Francinaide de Lima Silva 



O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no município de João Câmara/RN é adepto da experiência de Paulo Freire no desenvolvimento de seus atendimentos. A presente reportagem foi realizada por pesquisadoras do campo Processos Cognitivos de Jovens e Adultos em Educação Escolar, vinculadas ao Curso de Mestrado Acadêmico em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. 

Figura 01: Diálogo das pesquisadoras com a terapeuta ocupacional.

Fonte: acervo das pesquisadoras (2018).

O CAPS é uma instituição direcionada ao trabalho desenvolvido a atenção estratégica de caráter aberto e comunitário, surgiu através da reforma psiquiátrica da Lei nº 10.216. O CAPS em estudo disponibiliza de uma equipe multiprofissional e realiza atendimento prioritário aos portadores de transtorno mental severo e persistente, usuários de drogas e álcool, seja em situação de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. O objetivo desse serviço é promover a reinserção do individuo na sociedade através de uma abordagem multiprofissional e que engaje esse individuo colocando-o como protagonista no seu atendimento.  

Os CAPSs são divididos de acordo com sua abrangência:
CAPS 1: atende em cidade com 50 mil habitantes;
CAPS 2: atende em cidade com 200 mil habitantes;
CAPS 3: atende acima de 200 mil habitantes.

Como também é classificado de acordo com o perfil do usuário atendido:
CAPS Infantil: atende a população até 17 anos de idade;
CAPS Adulto: oferece atendimento aos portadores de transtornos mentais acima de 18 anos;
CAPS AD: Atende a população que é usuária de álcool e outras drogas. 

Figura 02: fachada da instituição
Fonte: acervo das pesquisadoras (2018).

Essa instituição em João Câmara tem um atendimento voltado ao acolhimento escuta do paciente, percebendo a necessidade é realizado individualmente o atendimento psiquiátrico com cada paciente, diante de seus casos específicos e da observação e escuta, é realizado o tratamento com medicamentos direcionados a cada caso específico, quando preciso. O público alvo da unidade é uma faixa etária a partir dos 12 anos de idade, usuários de álcool, drogas e transtorno mental grave e moderado. 

Além do atendimento clínico psiquiátrico existem atividades lúdicas pedagógicas, atividades sociais (música, dança, esporte, jogos, artesanato, palestras, grupo terapêutico, atividade física, entre outras) e também trabalha com a reabilitação psicossocial associada e alinhada a outros serviços disponíveis na sede, como a Estratégia de Saúde da Família- ESF onde são disponibilizados atendimento clínico geral, dentista, técnicos de enfermagem, enfermeiro e agentes de saúde. Os profissionais multifuncionais no CAPS são: psicólogo, psiquiatra, enfermeiro, terapeuta ocupacional, nutricionista, assistente social e professor de artes.

No ambiente o tratamento é direcionado através de medicamentos, quando indicados necessariamente e terapias individualizadas e em grupo. Segundo a enfermeira Samara Tatiane os pacientes podem se dividir em suas ansiedades, compartilhar seus momentos de angústias e apoiar uns aos outros para superarem os transtornos. 

Figura 03: atividades em grupo 
Fonte: acervo das pesquisadoras (2018).

De acordo com a terapeuta ocupacional Caroline Loize o paciente é acolhido, onde tem momentos/espaço de aconchego e tranquilidade, são acolhidos com cuidado, atenção e realização.

É salutar conscientizar-se o quanto é importante e necessário saber escutar, saber ouvir o outro, aprender a escutar é compreender o individuo diante de sua realidade, pois por meio da escuta é que aprendemos a falar com forma colaborativa de saber direcionar e oferecer suporte psicossocial ao indivíduo. Freire (2015, pág. 111) afirma: “Aprendemos a escuta, mas é escutando que aprendemos a falar come eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele. Mesmo que em curtas condições precise falar a ele.”. 

É necessário compreender e entender o outro diante de suas dificuldades psicossociais, exercendo a tarefa centralizadora o educador progressista para apoiar e permitir condições ao indivíduo de refletir e vencer suas dificuldades na compreensão do êxito de avanço, revendo suas atitudes comportamentos e psicologias onde possibilite reconstruir sua forma de ser, agir e pensar. 

A pesquisa foi fundamentada na proposta idealizadora de Paulo Freire, através da metodologia da Pedagogia da Autonomia e Pedagogia do Oprimido, saberes necessários para a prática educativa e dos círculos de cultura.

A coleta de dados foi realizada através de entrevista com agendamento prévio, observação dos pacientes assistidos, e como se dá o processo de atuação da equipe multifuncional. O registro se deu através do diário de campo e câmara fotográfica. O círculo de cultura vivenciado em foco, as etapas adotadas pelos profissionais inseridos atualmente no CAPS, como o acolhimento, escuta, tematização, problematização, fechamento avaliação das ações observadas enfatizaram a competência do gerenciamento, comprometimento, envolvimento e negociação da oferta de cuidados direcionados a assistência à saúde psicossocial dos pacientes focado no protagonismo do usuário, onde os profissionais inseridos nesse contexto devem promover a reinserção do indivíduo através do atendimento multidisciplinar, atuando conforme a realidade vivenciando o seu território de atuação. 

Dessa forma, viabilizando um aprofundamento nas questões geradas pelo diagnóstico situacional da realidade ao grupo com quem se trabalha, promovendo assim, melhor envolvimento dos sujeitos com a problemática, para se trabalhar coletivamente, viabilizando de uma melhor dinâmica de métodos norteadores direcionados ao conhecimento vocabular, dinâmica de acolhimento, tematização como fonte geradora, a problematização (desconstruir) e a avaliação coletiva e individual onde seja possível ocorrer uma reflexão crítica para reconstrução.

O círculo de cultura de Paulo Freire proporciona a reflexão de um espaço de problematização que propõe aos envolvidos a oportunidade de expor suas ideias, o diálogo experiências e práticas, assim como possibilita a reflexão crítica de ocasiões e a construção coletiva do conhecimento coletivo, pensamento de Freire enquanto experiências de circulo de Cultura, foca na práxis, trabalho, necessidade de diálogo, totalidade e transformação social.

Compreender-se por competência e articulação mediadora, entre o saber fazer e saber ser, isso corresponde respectivamente ao entendimento e incorporar nos modos de cuidados dos conhecimentos teóricos e empíricos que por sua vez diz respeito à atitude de execução das diversas habilidades condizentes com as situações que surgem no cotidiano educacional.

Por isso, percebe-se a importância necessária de articular conhecimentos, habilidades e desenvolvimento adequado multidisciplinar com respaldo de ação efetiva em saúde mental. Nesse sentido, a atenção direcionada a saúde mental representa um cenário de estratégias de incorporação nos modos de cuidado individual e coletivo como estratégia prioritária do CAPS, é importante refletir a possibilidade dos profissionais inseridos no contexto uma melhor aproximação da comunidade, possibilitando a formação de vínculo entre os indivíduos assistidos, os profissionais e consequentemente gera-se o conhecimento  prioritário das principais  necessidades em saúde mental no local descrito. 

Figura 04: Atividade desenvolvida pelos pacientes. 

Fonte: acervo das pesquisadoras (2018).
 
Assim, é notório a necessidade de ultrapassar barreiras, começando desde a disposição do profissional, rompendo barreiras de estereótipos que são construídos dentro da comunidade local.

Dessa forma, olha-se a importância relevante de se incluir em uma perspectiva real dos sujeitos, ferramentas problematizadoras que estimulem um olhar capaz de refletir  mobilizar elementos existentes na realidade vivenciada da atuação do profissional para que ações inovadoras e promocionais sejam efetivas nessa prática, seguindo um modo de comprometimento de contribuição para o atendimento reflexivo e responsável imprescindíveis ao atendimento psicossocial de cada indivíduo inserido nesse contexto de acordo com cada realidade de vivencia dos mesmos. Portanto, é também importante abordar a importância da assistência e continuidade eficiente, a pessoa com transtorno mental. 

É necessário que exista uma práxis matricial onde permite que equipes multiprofissionais conjuntamente participem do processo de criação em uma proposta de intervenção pedagógica- terapêutica. 

Figura 05: Momentos de desporto 

Fonte: acervo das pesquisadoras (2018).

Segundo Campos e Domitti (2007, pág. 400) apoio matricial e equipes de referência são arranjos organizacionais, bem como uma metodologia para gestão do trabalho em saúde. O significado matricial é uma maneira nova de produção assistida na saúde onde duas ou mais equipes conjuntamente participam do processo de criação em proposta de intervenção pedagógica terapêutica.

Diante das situações singulares de cada paciente há uma certeza: a necessidade de inclusão, a conscientização de seres históricos e inacabados que possuem capacidade e oportunidade de mudar a situação existente que os incomodam, uma vez incluídos na sociedade poderão viabilizar melhores condições de vida e também acesso a serviços públicos básicos. A equipe do CAPS com esse objetivo trabalha atividades cujas funções são desenvolver a autonomia, compreendendo a necessidade de conscientização da situação atual, para lutar e buscar mudar essa realidade. 

Assim, Paulo Freire (1981, pág. 40) defende: “Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e do devenir da realidade.”. Para isso, a equipe utiliza diversas atividades, inclusive há uma preocupação com o grande número de pacientes não alfabetizados, aumentando os fatores de serem excluídos da sociedade, uma vez que no campo educacional é fator de exclusão de camadas populares, evidenciando assim, dois motivos para esse feito: um pelo fato de ser pertencente à camada social popular e outro pelo estado de saúde vivenciado. 

Figura 06: Observação das atividades realizadas.

Fonte: acervo das pesquisadoras (2018).

Diante do exposto, pode-se concluir que o respeito, a autonomia e a dignidade de cada indivíduo é um imperativo ético e não um favor. É respeitando-os como sujeitos que lutam para serem inseridos na sociedade e assim serem autores da sua própria história. 

A reportagem revelou a importância do trabalho inspirado no pensamento de Paulo Freire no processo de conscientização de pacientes do CAPS, uma vez que permite o desenvolvimento crítico e autônomo desses sujeitos, capazes de buscar direitos sociais negados devido à situação de vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei n° 10.2016, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm Acesso em:  30 jun de 2018.
CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa;  DOMITTI, Ana Carla. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública [online]. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102311X2007000200016&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 02 Jul de 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 37. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

___________. Pedagogia do oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981.
 


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