Ana Carolina Monte Procópio

17/06/2019 09h33
SOBRE O MEIO-AMBIENTE E SOBRE SER TUDO O QUE HÁ
 
De nada vale tanto esforço do meu canto
Pra nosso espanto tanta mata haja vão matar
Tal mata atlântica e a próxima amazônica
Arvoredos seculares impossível replantar.
MATANÇA - ELOMAR
 
Há poucos dias, em 05 de junho, comemorou-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. Comemorou-se talvez seja um eufemismo. Transcorreu o dia. E que paisagem mostrou?
 
Que o desmatamento na Amazônia bateu recorde no mês de maio, equivalendo a dois campos de futebol por MINUTO, tendo sido derrubados 739 km² de floresta; que o Brasil é o país que lidera o desmatamento de florestas tropicais; que o número de agrotóxicos registrados supera o número de um a cada dia somente neste ano; que o número de abelhas mortas supera a cifra de meio bilhão e que tal número está ligado diretamente ao aumento do uso de agrotóxicos; que os produtos agrícolas do Brasil foram vetados por uma rede de supermercados da Suécia por causa do alto teor de agrotóxicos – leia-se veneno –; que o Rio Paraopeba está oficialmente morto em decorrência do rejeito advindo do rompimento da barragem de Brumadinho, entre tantas e tantas outras notícias recentes e igualmente sombrias apenas para falar do Brasil.
 
O argumento repetido de que os países europeus já devastaram suas florestas, poluíram suas fontes de água e seu ar e, com isso, conquistaram o tão decantado progresso e que, por tal motivo, o Brasil pode fazer o mesmo não tem fundamento. É sempre um erro devastar a natureza e a biodiversidade de qualquer lugar, de qualquer bioma. O fato de tal erro, porém, já haver sido cometido anteriormente, não pode servir de argumento para que se repita; inversamente, deveria servir de guia sobre o que não pode ser feito. 
 
Matança, a música-denúncia de Elomar, mais conhecida pela voz inconfundível de Xangai, já alertava sobre a derrubada das matas – veja-se o destino da Mata Atlântica, que hoje tem apenas 3% de seu tamanho original. O ritmo alegre da canção não esconde o aviso!
 
A Terra-Mãe, infinitamente generosa, não consegue mais compensar no mesmo ritmo a destruição causada por seus filhos. Muitos de seus recursos, abundantes mas finitos, já entraram em processo de extinção e, muitas vezes, irreparável degradação. Veja-se o Rio Doce, também oficialmente morto. É a Vida que está perecendo, e em ritmo vertiginoso. O atual ritmo de produção e consumo está esgotando de maneira rápida e muitas vezes irreversível os recursos naturais.  
 
Cientistas, majoritariamente, alertam para o risco real de o ponto de não-retorno do planeta acontecer em algum ano entre 2030 e 2050 - ou seja, daqui a muito pouco tempo. A partir daí, com o agravamento rápido do aquecimento global, será desencadeada uma extinção acelerada de vegetais e animais. O aquecimento global hoje sentido e constatado teve início com a Revolução Industrial, na virada do século XVIII para o século XIX - portanto, com a consolidação da produção de bens em escala industrial - e se acelerou a partir das últimas décadas do século XX. Agora, ganha velocidade rápida em direção à morte da vida no planeta. 
 
O fato é que a relação do ser humano com a natureza é vital e essencial, mas o ele normalmente esquece que é parte desta, deixando de lado a constatação óbvia de que é também um animal e que não pode alterar o meio ambiente sem ser também gravemente afetado pelas mudanças que causar. 
 
Walt Whitman, grande poeta americano, homem que tinha delicada percepção da relação simbiótica entre todos os seres, de certa forma antecipando conceitos que a moderna física quântica expôs, já registrava em seu vanguardista Folhas da Relva , de 1855, esse pertencimento:
 
Não farei poemas para as partes
Antes cantarei o todo, indivisível, em pensamentos e ações, 
Um só dia não me toca, só sei falar de todos os dias
E toda linha que escreva será sempre celebração da alma,
Pois após cismar sobre tudo o que contém o universo,
Descobri que cada átomo revela alma. 
Alguém quis saber da alma?
Que perceba sua condição, compleição, substâncias,
Pessoas, animais, árvores, correntes dos rios, pedras e areias.
 
Também nosso grande poeta paraibano Augusto dos Anjos assevera a qualidade de sermos um com a natureza, como se vê neste belo trecho: 
 
As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice mais calma!
 
- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma!...  
 
Esquecermo-nos de que somos tudo isso, de que somos parte de tudo o que há e de que precisamos coexistir em sintonia significa incorrer no equívoco e na ilusão de que o ser humano é apartado da natureza. Em verdade, somos ela, somos tudo o que nela existe! Há que se repensar e repactuar com urgência os termos dessa relação, sob pena de perecermos todos – humanos, vegetais, outros animais...     
            
Quem hoje é vivo corre perigo!... 

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