Eva Potiguara

23/04/2024 09h56
 
O que a luta dos povos indígenas tem a ver com você?
 
Segundo o último  IBGE, de 2022, a população indígena do Brasil é formada por mais de 305 povos originários, falantes de 274 línguas. Somos aproximadamente 1,69 milhão de pessoas lutando pela demarcação das terras indígenas, contra a liberação da mineração e do arrendamento dos nossos territórios, contra a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental, contra o financiamento do armamento no campo e o desmonte das políticas indigenista e ambiental.
 
Por outro lado, é notório o crescente número de indígenas em contextos urbanizados, buscando trabalho e sobrevivência digna, porque a predadora economia capitalista, que agiganta o agronegócio, as atividades mineradoras e o garimpo ilegal, desmatou nossas matas, soterrou nossos rios, envenenou nossas águas, matou as colheitas, tirando-nos a dignidade e o pão de cada dia.
 
Neste abril indígena, lembramos que as cidades são “cemitérios de aldeias”. Elas se tornaram vilas e, depois, grandes centros urbanizados, em prol da “ordem e progresso” da ganância capitalista. 
 
Hoje, nas cidades do chão de asfalto, estamos invisíveis e marginalizados nas periferias, nos becos e favelas do contexto urbanizado pela estrutura capitalista burguesa e segregadora dos bens e promotora da desigualdade social. Somos sementes, frutos e raízes de nossos ancestrais, mortos e oprimidos nas batalhas, no enfrentamento às invasões e aos abusos das nossas mulheres indígenas, enfim, das migrações forçadas.
Nesse processo histórico, nós, indígenas das médias e grandes metrópoles fora dos territórios sagrados de nossos povos, nos tornamos órfãos, filhos abandonados, tratados como pardos, mestiços, negros, caboclos, considerados sujeitos de segunda categoria. Somos excluídos entre os excluídos na organização socioeconômica e ficamos de fora até das estatísticas das minorias vítimas de mendicância, feminicídio, homofobia e racismo.
Requeremos a visibilidade indígena, cobramos dos governos as políticas públicas específicas de retratação histórica/social quanto aos nossos direitos humanos e ancestrais, roubados e ignorados até hoje. Somos também vítimas do racismo estrutural e do etnocídio dos povos originários. O nosso território é nosso corpo/mente, as narrativas de nossas famílias ancestrais de várias etnias que sofreram as inúmeras perdas materiais, culturais, espirituais e sociais, pelo algoz colonialismo capitalista. 
 
Apesar de tudo, com resistência e muita luta, uma parte dos indígenas chegou às universidades, assumindo o protagonismo, tirando a exclusividade do branco rico e dos mais favorecidos, já que a educação é um direito constitucional. Eu, por exemplo, nasci numa periferia de Natal e cheguei à UFRN ainda fora das cotas para indígenas, em 1990. Tornei-me doutora em educação em 2011 e hoje atuo como professora formadora no ensino superior. Sou a única indígena na minha instituição e enfrento dificuldades com o sistema curricular ocidental que temos e não atende às necessidades de uma aprendizagem intercultural.
 
Graças ao regime de cotas, atualmente temos mais indígenas que atuam como médicos, escritores e nas diversas áreas da educação, da saúde, do jurídico e da cultura, lutando sempre por mais justiça e reconhecimento étnico e social. Estar nesses espaços sociais é fundamental para promover mudanças de paradigmas conservadores e coloniais.
 
Além disso, eu e meus parentes em contexto urbano não deixamos de estar presentes nas lutas dos parentes aldeados contra o Marco Temporal e contra as demais propostas criminosas da bancada ruralista que abatem a natureza e nossos irmãos agricultores nas aldeias, nas terras quilombolas e demais segmentos da agricultura familiar e da economia solidária.
 
Estamos no mesmo território da nossa Abya Yala esquartejada por cercas criadas pelos ricos latifundiários do agronegócio, da pecuária e dos grandes empreendimentos comerciais das zonas rurais e urbanizadas. Diante do consumo desenfreado, temos que nos unir aos parentes aldeados em prol da demarcação das terras indígenas e da proteção de nossos biomas no combate à crise climática. Consideramos emergente a luta de toda a sociedade brasileira para se juntar a nós no enfrentamento de mais de cinco séculos de destruição ambiental, nos colocando nesse caos ecossistêmico.
 
Então, seja na marcha, seja na revisão das leis, seja na luta contra o desmatamento, seja no enfrentamento do racismo institucional e estrutural, convidamos todas, todos e todes para religar nossas raízes e reflorestar essa Terra Pindorama chamada Brasil!
 
Aûîébeté!
Muito obrigada!
Profa. Dra. Evanir Pinheiro
Eva Potiguara, Aldeia Sagi Jacu-Baía Formosa/RN
 
Sobre a autora
 
Eva Potiguara pertence ao Povo Potiguara Sagi Jacu, em Baía Formosa/RN. Graduada em Artes Visuais, Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRN, é Professora e pesquisadora do IFESP-SEEC, atuando nos cursos de Pedagogia e Letras. É produtora cultural da EP Produções, escritora, ilustradora, contadora de histórias, articuladora nacional do Mulherio das Letras Indígenas, membro da UBE/RN, da SPVA e de várias academias de Letras no Brasil e em Portugal. Tem livros solos infantis e de poesia, publicados no Brasil e em Portugal. Ganhadora do Prêmio Jabuti 2023 na categoria Fomento à Leitura e do Prêmio Literatura de Mulheres Maria Carolina de Jesus 2023, na categoria Romance.
 

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