Eliade Pimentel

Jornalista

‘Panelinhas’: a prática excludente que forma as bolhas sociais

15/05/2023 11h53

 

‘Panelinhas’: a prática excludente que forma as bolhas sociais

 

Tenho conversado muito com as pessoas sobre formação de grupos dentro de grupos. Já aconteceu comigo em diversas fases da minha vida. Mesmo tendo me mudado para a capital potiguar ainda menina, não tenho amigas ou amigos de infância no sentido de termos grupinhos que se encontram com certa regularidade. Sequer tenho grupos da época da faculdade.

Quando me deparo com três amigas que formaram uma panelinha da qual eu considerava que fazia parte, registrando seus encontros para os quais não sou convidada, eu percebo que algum momento do curso eu saí e não consegui voltar. Gente que vem e vai e não me convida para nada, nem um cafezinho, e não é por falta de contatos de minha parte.

Naquela época, eu fazia parte de muitos grupos, conheci pessoas de vários cursos, e conquistei amigos para toda uma vida, apesar de que cada qual seguiu um caminho e nos encontramos posteriormente em redes sociais, ou eventualmente em encontros casuais, sejam em eventos culturais ou por aí, pelos shoppings e supermercados da vida.

De uma vez em que eu questionei alguma coisa no sentido de me sentir excluída de grupinho, recebi respostas variadas, como: “a gente se fala sempre”, argumento que eu considerei raso, visto que estou quase sempre disponível. E, diante de tantas vivências e tantas separações, chego a uma conclusão: quando você falta aos encontrinhos, por algum motivo que seja, ou deixa de concordar com tudo, então dificilmente receberá novo convite.

De uma hora para outra, você ficará sabendo por acaso ou verá pelas redes sociais que as pessoas que você considera parte do seu círculo de amizade não lhe convidam para tudo. E a cada dia que passa percebo que essa prática está muito relacionada ao jeito de ser do povo potiguar. Espero não estar sendo injusta, mas o que minha sobrinha passou quando estudou por um ano em escola privada de Natal é bem sintomático. As meninas davam prazo para ela permanecer no grupo: ei, até quando você vai lanchar com a gente?

Minha filha, mesmo estudando com as mesmas meninas desde os cinco anos, às vezes também era excluída. Uma vez, Ariano Suassuna falou sobre uma mulher que dividia as pessoas em que foi a Disney e quem não foi a Disney. Acho que é por aí. Se você tem o que contar das viagens internacionais, permanece no grupo das amigas. Se você concorda que todo mundo tem que fazer “demonização” facial, você permanece no grupo, se você concorda que todo mundo pirou e tem que tomar remédio, você automaticamente entra no grupo dos que são mantidos sob o controle da farmacologia.

Até na família isso ocorre. Por anos, minha irmã fazia uma grande ceia de natal para a qual nunca fui convidada. Nem para suas reuniões de aniversários seletas. Aqui e acolá algumas amigas vêm a Natal e não me procuram. Quando tento marcar algo, a agenda está lotada de compromissos com amigos e amigas A, B, C e D. E a pior coisa é quando você acha que essas turminhas são suas também. Pois, como tenho muito assunto e adoro fazer amizades, já passo a considerar meus amigos e minhas amigas também. Aí é que está o erro. Você não faz parte da panela. 

É um processo de maturidade enxergar aonde a gente é bem quisto e saber viver sem estar atrelado a nada, nem ninguém. Apesar de não viver em grupinhos, eu tenho centenas de amigos e amigas. Por onde eu passo, faço amizades. Seja em ambientes profissionais, seja onde moro ou passo meus melhores momentos. Hoje, sou o reflexo de uma vida solta. Não vivo em encontros, aqui e acolá marco um café ou chopp com alguma pessoa específica, e vou seguindo o fluxo.

O que eu mais detestei em vida são as regras impostas pela sociedade. Se para viver em grupos de amigos e amigas é preciso me submeter a regras, acordos e convenções, sejam elas quais forem, prefiro ser bicho solto. E, para todo mundo que me deixa no vácuo, vou mantendo a certeza de que nos encontraremos por aí ou nas redes sociais. Não vou esperar seu convite, mesmo sabendo que você passa na porta de minha casa para ir à casa de praia, porque felizmente eu moro onde as pessoas passam férias. Au revoir!

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).


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