Valério Mesquita

16/11/2016 14h15
O Solar Ferreiro Torto localiza-se em Macaíba e destaca-se por ser um marco histórico, que remonta ao ano de 1614, quando era conhecido por Engenho Potengi.
Forças holandesas atacaram o local por diversas vezes. Bastante destruído pelos combates, em 1847 o prédio foi reconstruído. E em 15 de Setembro de 1989 foi tombado pelo Patrimônio Estadual.
 
Toda essa história de sangue e tragédia começou aqui, no Solar do Ferreiro Torto, em Macaíba. “O regime de violência e crueldade que caracterizou o domínio holandês, no Rio Grande do Norte, se iniciou pelo ataque aos moradores desse engenho”, informa o historiador e acadêmico Itamar de Souza.
 
Era um empório importante, o segundo maior da capitania do Rio Grande do Norte, construído provavelmente por volta de 1615 por Francisco Coelho. Ainda hoje se pode ver a imponência do velho casarão e pelos seus corredores se respira a história de nossa gente. Situado na margem direita do rio Jundiaí, perto de Macaíba, o velho engenho era uma jóia bastante cobiçada pelos invasores. No dia 14 de dezembro de 1633, o major Cloppenburch, das forças holandesas sediadas no Castelo Keulen, seguiu na direção de Macaíba, navegando o rio Potengi. Os portugueses, no entanto, não estavam desprevenidos e, utilizando primitivas técnicas de guerrilha, mataram cinco holandeses. O comandante holandês convocou então o grande chefe Janduí, inimigo mortal dos portugueses, e fez a guerra ao engenho de Ferreiro Torto. Na refrega morreram o proprietário do engenho, Francisco Coelho, sua mulher, cinco filhos e mais sessenta pessoas. 
 
Narra o historiador macaibense Anderson Tavares que em 1847, o Coronel Estevão Moura, havia herdado o engenho Ferreiro Torto e, naquele mesmo ano, demoliu a antiga construção térrea do sogro e fez erguer com base em planta de sua autoria, o confortável e elegante palacete, moldado em estilo colonial português, uma preferência do construtor utilizado em outros prédios que lhe pertenciam, como o bonito solar Caxangá, antiga fazenda Barra.
 
Trata-se de um prédio monumental, com linhas sóbrias e elegantes. Apresenta partido de planta quadrangular, desenvolvido em dois pavimentos. Possui uma bela composição de cobertura em varias águas, cujos beirais são arrematados por frisos e cornijas.
 
“Ao tempo em que foi erguido era provido de água encanada, esgotos, varandas, forros, vidraças e um santuário, tendo os dormitórios no segundo pavimento, cujo conforto não tinha rival nem nos edifícios da capital da província”, assevera o referido pesquisador.
 
Fala ainda do “Belíssimo jardim em estilo francês foi construído na frente do casarão, onde outrora foi o patamar da casa ao tempo da invasão holandesa. No inicio do jardim, ficava o pelourinho, temor dos escravos quando dos malfeitos domésticos”.
 
Conclui por fim, que “o pelourinho foi retirado definitivamente da frente da casa depois da morte de dona Maria Rosa do Rego Barros de Moura, senhora do engenho, cujas crueldades cometidas contra os escravos viraram lendas que extrapolaram as fronteiras estaduais”.
 
O solar Ferreiro Torto, como residência senhorial, possuía muitos esconderijos, sobre os quais depõe o escritor José Moreira Brandão Castelo Branco Sobrinho, bisneto do coronel Estevão: “Não se deve olvidar que no palacete, havia esconderijos; um na parte posterior do sobrado, disseminado por uma janela apenas desenhada pela parte externa, com relevos e pinturas indispensáveis a guardar a harmonia das esquadrias, e outro no forro da escada, que conduzia ao segundo pavimento, disfarçados de tal forma que pessoas estranhas não conseguiriam descobri-los”.
A propósito, conta-se que devido a vários processos a que submeteram o dito coronel Estevão por injunções políticas, foi procurado por agentes policiais ou judiciários em sua residência de ferreiro Torto, e que apesar de se mostrar aos mesmos numa das sacadas do sobrado e facultando-lhes a entrada, os oficiais de justiça por mais que o procurassem nas varias dependências da casa, não o encontravam.
 
Além desses esconderijos, havia o famoso túnel que ligava o casarão ao porto do engenho, e que foi construído pelo coronel Joaquim José do Rego Barros, participe dos tempos atribulados da revolução de 1817.
 
Na posse de Estevão Moura, o engenho Ferreiro Torto vislumbrou tertúlias memoráveis, visitas ilustres de presidentes da província e dignitários do império, com banquetes seguidos de bailes memoráveis. Amigo da boa mesa, a província toda conhecia o modo fidalgo com que o coronel tratava seus hospedes, fidalguia herdada por todos os seus descendentes diretos, sobre os quais, assevera mestre Câmara Cascudo: “todos os seus descendentes, foram fieis ao signo da hospitalidade generosa, completa, ampla, inimitável”.
 
Com o falecimento do coronel Estevão Moura, o engenho Ferreiro Torto coube no espólio para a sua filha mais nova, dona Isabel Cândida de Moura Chaves, casada com o doutor Francisco Clementino de Vasconcelos Chaves, pais do jurista doutor João Chaves, nascido na residência em 1875.
 
Dona Isabel Cândida vendeu a propriedade em 1900, para sua sobrinha dona  Maria Suzana Teixeira de Moura, que na década de 1920 transferiu o antigo engenho para o senhor Francisco Coelho e deste para o senhor Bruno Pereira que se desfez da fazenda na década de 1930, vendendo o imóvel para a Amélia Duarte Machado, que desde então manteve moradores na fazenda até que em 1978, as terras foram desapropriadas pela prefeitura de Macaíba. Na nossa gestão como prefeito, por ser patrimônio histórico, foi transformado em museu de Arte Sacra, mantido pela Fundação José Augusto, que tombou e restaurou o antigo palacete colonial, graças aos recursos da Emproturn. 
 
Depois de funcionar como sede da prefeitura da Macaíba entre os anos de 1983 a 1989, foi transformado em museu municipal na gestão Odiléia Mércia da Costa Mesquita. Posteriormente fechado, foi reaberto como museu regional na gestão Mônica Nóbrega Dantas. Novamente fechado e após sofrer assaltos e depredações, foi reinaugurado como Complexo Turístico e Cultural Solar Ferreiro Torto, em abril de 2003, apresentando uma coleção de fotografias antigas da cidade da Macaíba e de seus filhos que se destacaram nos mais variados segmentos sociais.
 
No projeto original do complexo constava ainda, duas trilhas ecológicas e um passeio de barco pelo rio Jundiaí, partindo do antigo porto de Ferreiro Torto. O lugar é propicio para aliar história e meio ambiente em um terreno de seis hectares coberto de resquícios de Mata Atlântica, pequena faixa de terra que outrora abrangia municípios inteiros do Rio Grande do Norte, visto ter sido o engenho Ferreiro Torto oriundo das antigas sesmarias coloniais.
 
LENDAS E NARRATIVAS
Narram os historiadores que a filha do senhor do engenho se apaixonou por um escravo. Esse assunto já era notícia do engenho, até que um dia o pai viu os dois conversando. Então ele resolveu agir rapidamente, e foi pegar uma arma para matar o escravo, mas quando ele atirou, sua filha se colocou na frente e o pai acabou matando ela própria. Com muita raiva desse escravo, ele chamou os capitães-do-mato que o enterraram vivo.
 
O nome Ferreiro Torto teve origem em um coqueiro muito alto e torto, que existia bem próximo à porteira da fazenda, e quase embaixo dessa árvore um ferreiro havia montado a sua tenda e oferecia os seus serviços aos tropeiros, que por ali passavam e tinham necessidade de corrigir as ferraduras dos seus animais.
 
Os historiadores são unânimes em afirmar que na década de 1920, o rio Potengi vinha até o antigo cais próximo ao sobrado da casa grande, e era possível navegar da fazenda até o cais do Passo da Pátria, em Natal.
 
Era, com certeza, a propriedade mais bonita e que oferecia melhores condições de utilização dos recursos naturais da região. O terreno era coberto por extensa floresta de mata atlântica, em que parte, ainda permanece conservada. Havia também o canavial que abastecia o engenho, a plantação de mandioca que fornecia matéria-prima para o fabrico de farinha e nos seus pomares frutas variadas de sabor inigualáveis.
 
A história de sua reconstrução começou efetivamente em 1974, na oportunidade em que fui prefeito de Macaíba, quando desapropriei toda a área que circundava os escombros do sobradão. Foi aí que comprei uma longa briga com a família da viúva Machado proprietária da terra. A questão foi ajuizada e com coragem mantive a decisão, encomendando um projeto de reconstrução ao escritório do arquiteto Airton Vasconcelos, que se valeu das fotos existentes e das dicas dos habitantes mais antigos da cidade.
 
Em 1975, deixei a prefeitura para assumir a presidência da Emproturn. Nessa estatal, no governo de Tarcisio Maia, enfrentei nova contenda com o então diretor administrativo e financeiro Francisco Revoredo, que defendia a alocação de um recurso no valor de um milhão de cruzeiros, à época disponível, para Mossoró, enquanto eu o direcionei para a reconstrução do Ferreiro Torto, em Macaíba. A divergência ganhou as manchetes dos jornais. E por fim, com o voto de desempate do então diretor técnico Valmir Targino, fomos vitoriosos. Procurei o presidente da Fundação José Augusto Sanderson Negreiros e, através de convênio, a Emproturn repassou a importância para o órgão cultural responsável afim de adaptar, ampliar ou suprimir o projeto técnico antes elaborado. Muitas dificuldades junto ao Patrimônio Histórico foram, em seguida, enfrentadas em Recife. O IPHAN restaurava monumentos mas não os reconstruía. Era a lei. Polêmicas e mais polêmicas foram travadas, mas ao final prevaleceu os critérios da equipe técnica da Fundação José Augusto, chefiada pelo arquiteto Paulo Heider Feijó. Reconstruído o Solar, foi inaugurado em 1979, pelo governador Tarcisio Maia e Franco Jasiello novo presidente da Fundação José Augusto, com a presença do governador do Pará, doutor Aloísio Chaves, parente próximo de João Chaves que morou e faleceu no Ferreiro Torto.
 
Esses fatos não podem ser esquecidos. Quando se falar em Solar do Ferreiro Torto, devemos nos lembrar que sem a decisão inaugural e obstinada de desapropriar a área, conseguir os recursos e arrostar as dificuldades que se impuseram contra a reconstrução não existiria esse legado importante da história do Rio Grande do Norte.
 

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