Eliade Pimentel

01/08/2022 17h32

 

Contemporizar é um sacrifício para quem tem sangue nos olhos
 
 
Quem nunca se perguntou: poxa, eu poderia ter ficado na minha e ter seguido em frente sem me importar. Ou, o contrário: nossa, mas fulano(a) briga ou reclama por tudo, é impaciente ao extremo. A questão que trago hoje é sobre contemporizar ou não diante de injustiças, ou de outras coisas que incomodam (apenas) algumas pessoas. Eu sou do primeiro time e tenho sofrido as consequências de não conseguir calar a boca. Falo mesmo quando me deparo com o que considero errado. 
 
Tenho uma amiga linda, que fala com doçura e transparece ser uma pessoa muito serena. Fomos colegas de redação e todo mundo que eu conheço ama essa jornalista maravilhosa. Não vou dizer o seu nome, pelo fato de que ela me disse algo sobre sua personalidade que destoa desta figura “perfeita” que as pessoas fazem de sua pessoa. Sim, perfeita entre aspas porque a maioria das pessoas da sociedade aprende desde cedo a contemporizar. 
 
Um dia, exausta que eu estava de tentar consertar o mundo ao meu redor, eu lhe disse: gostaria de ser assim como você, serena e doce, ao contrário do que sou, apimentada, ardida, sem freio. Em vez de me dar os caminhos de sua plenitude, sua resposta me deixou ainda mais segura de seguir meu caminho do jeito eu sou. Sem papas na língua. Apesar de sofrer bastante com isso, pois vejo que o mundo – ou o mundo onde vivo – não tem conserto. 
 
Por mais que arregacemos as mangas para tentar consertar as coisas, terá sempre alguém fazendo coisas erradas bem debaixo no nosso nariz. Muitas vezes, são coisas pequenas, que poderiam ser evitadas. Infelizmente, tem muita gente fazendo o que é errado. Refiro-me desde jogar lixo fora do local apropriado, para que seja coletado devidamente, a pequenas ou grande infrações, principalmente no que se refere ao serviço público. Vou dar um exemplo: já recomendaram que, para darmos início ao inventário e o processo andar de forma mais ligeira, deveríamos omitir que temos uma irmã especial.  
 
Não concordamos com isso, obviamente, visto que todos nós poderíamos ser indiciados por omissão de vulnerável em família. Até hoje não resolvemos nada, porém, usufruímos do espólio de nossos pais sem nenhum peso na consciência. É a vida de quem não tem recursos para ir adiante com a burocracia. Achamos por bem nos mantermos no mesmo lugar, sem cometer nenhuma infração. 
 
Mas, voltando ao tema principal desta reflexão. A moça de ares angelical me revelou que nem sempre encara as coisas com aquele seu jeito pleno no olhar. Que muitas vezes ela chuta mesmo o pau da barraca, que abre mesmo o bocão para reclamar ou xingar quem merece, ou ao menos tem vontade de fazê-lo. E isso me deixou alegre. Mostrou que ela também tem sangue nos olhos. Sua doçura não a impede levantar suas bandeiras de luta. 
 
Desde pequenos somos educados a baixar o olhar e a nos calar diante dos fatos. Quantas vezes vimos um colega sofrendo racismo outro tipo de discriminação e alguém vem tentar baixar a poeira, nos dizendo que não foi bem assim ou assado? Quando minha filha era pequena, não contemporizei quando uma colega a chamou de pobre, por andarmos de ônibus. Eu levei a história para a coordenação, e esta por sua vez levou o assunto para a psicologia escolar, que fez um trabalho em sala de aula. 
 
E por último, fico feliz que, mesmo sendo tímida e totalmente diferente de mim, a minha garota um dia entregou um menino que bateu nela para a supervisão escolar, mesmo ele tentando comprá-la com balinhas. Ela entendeu que aquilo era o famoso golpe masculino, tentando dissuadi-la da ideia de se calar por ter sofrido uma violência. É isso. Não contemporizo jamais. Ou quase nunca. Uma vez o fiz para poupar minha mãe de um desgosto. Mas, até isso não me abala mais, visto que ela partiu. 
 
Pretendo continuar assim, com tudo e contra todos e todas, avante! Com sede de justiça, sempre. Voilá.  

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).