Fábio de Oliveira

23/05/2022 09h03

 

Uísque e fumo na encruzilhada para Malandrinho
 
 
Algumas pessoas evangélicas, católicas ou que frequentaram o terreiro em algum momento caótico das suas vidas, têm algum apego por alguma entidade, seja uma Pombagira, um Exu, um Mestre. Essas pessoas silenciam e/ou preferem não dialogar sobre suas experiências. Silêncio esse coagido pela opressão do racismo e a intolerância religiosa que opera ao nosso redor, que se soma à ingratidão, lembrando-se das entidades apenas em seus momentos de desespero e aflição.
 
Dias atrás, em um dia parcialmente nublado, estava caminhando pelas ruas da comunidade em direção ao terreiro para funções cotidianas e fui abordado por um rapaz, que caminhava, levando sua bicicleta em uma rua esburacada pela ação da chuva. Certamente ele fez uma leitura minha, observando minhas vestimentas, que me ligou ao terreiro. Educadamente interrompeu sua andança e pediu licença para fazer-me uma pergunta. Em meu trajeto, eu o ouvi.
 
Olhando para os lados, talvez não querendo que outras pessoas ouvissem seu questionamento, ele contou que semanas atrás havia, em uma encruzilhada, presenteado Exu Malandrinho com uma garrafa de uísque O presente foi um agradecimento por tê-lo livrado de algumas “barras”. Mas, segundo ele, teve a informação de que a entidade não recebeu seu presente. Ele perguntou-me se o não recebimento foi por que outra pessoa comprou o presente.
 
Talvez para a situação relatada, eu não fosse a pessoa mais adequada para tratar de uma solução, mas por algum motivo senti que tinha um pouco de propriedade para responder. Na ocasião, falei sobre a importância de presentear as entidades com esforços próprios, do nosso suor, nosso trabalho, pois elas estão enxergando o empenho que está sendo dedicado e à forma que ele presenteará Malandrinho. Finalizei a resposta falando sobre a importância de dialogar com a entidade sobre suas condições e que as coisas acontecem de acordo com o tempo. Ele, humildemente, agradeceu e seguiu seu caminho na bicicleta.
 
A situação fez-me pensar sobre as entidades não somente compreenderem essas situações, mas que também não é uma obrigatoriedade esbanjar luxo por meio de rótulos e presentes com valores acima do que é permitido no orçamento de algumas pessoas, sejam elas de terreiros ou não. Óbvio que não estou afirmando que as entidades não mereçam, pelo contrário, os donos dos nossos caminhos são dignos, mas que o diálogo e compreensão de cada caso são indispensáveis.
 
A encruzilhada é um local de outras possibilidades, de (re)conexões, ancestralidades e novos caminhos. Quem bem entendesse o sentindo das encruzas, não perderia tempo temendo as culpas e perseguições cristãs, antes, procuraria a sua evolução espiritual, confiando nos senhores e senhoras destes caminhos.
 
 

 


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).