Valério Mesquita

21/04/2022 06h15

 

Rua Voluntários da Pátria 722, Cidade Alta, Natal. Telefone: 2901. Era o endereço do casal Temístocles Duarte e Sofia de Andrade Duarte. Corria o ano de 1954. Eu chegara de Macaíba aos 12 anos para estudar no Colégio Marista e neste lar me hospedei, trazido pelos meus pais. Sofiinha, assim chamada carinhosamente por todos, era a filha caçula de Dario Jordão de Andrade e Sofia Curcio de Andrade, filha de imigrantes italianos. Mas, em minha tia, pontificavam os traços ineludíveis dos ancestrais europeus, cuja juventude em Macaíba e Natal chamava a atenção pela beleza. Herdou, ainda, de sua mãe a coragem espartana, quando enfrentou a viuvez – ainda muito jovem – genitora de uma prole de seis filhos: Clóvis, Nair (minha mãe), Dario, Floriano, Nilda e a própria Sofiinha.

Clóvis Jordão de Andrade foi funcionário federal da Alfândega em Recife, além de escritor e poeta com vários livros publicados. E Dario Jordão de Andrade destacou-se na magistratura como juiz de Direito e jurista de reconhecido valor no Rio Grande do Norte. Do casamento com Temístocles, funcionário concursado do Fisco Estadual, nasceram Sililde e Ticiano Duarte. Emerge, agora, como uma saga da memória, a primeira residência à rua 13 de Maio, hoje Princesa Isabel. Ali próxima, a modesta mercearia de minha avó, pois, a família Andrade sempre foi unida e pacífica sob o comando seguro da sua matriarca. Mas, Sofiinha, era a líder inconteste dos irmãos. A sua palavra soava como a última em qualquer assunto, fosse familiar, político, religioso, comercial, etc.

Recordo o seu desempenho pragmático e ostensivo quando saía às compras com a mana mais velha Nair. Na “Nova Paris” de Nivaldo Bonifácio, avenida Rio Branco, após a sessão de prova de perfumes, minha mãe, antes de escolher, por hábito consuetudinário, consultava a irmã: “Sofia, esse perfume parece o melhor. O que acha?”. Sofiinha, envolvente e itálica, gesticula e convence: “Nair, minha mana, é porque você não provou este”. Sob o olhar curioso de Nivaldo, a obediente Nair assentia docilmente.

Relembro Sofiinha, católica apostólica romana e sua fé fervorosa na Virgem Maria. Acompanhava-a no terço semanal do Patronato da Medalha Milagrosa, na Praça André de Albuquerque. Ela se destacava pelo espírito nato de liderar, opinar e persuadir. Sililde, Ticiano e eu não escapávamos de suas repreensões domésticas. Ali perto, na Voluntários da Pátria, a vizinhança amiga, a Padaria União de Avelino Teixeira Filho, e seu marketing aliciante: “Impera pelo estoque, domina pelo trato e convence pelo preço”.

Por outro lado, testemunhei sua altiva disposição de luta e coragem espiritual na superação de obstáculos que ficaram em mim como radiosas manifestações do seu temperamento peninsular. A propósito dessa imagem recorrente, foi singular sua atitude de socorrer em Recife o irmão Clóvis, gravemente enfermo, tal qual uma rosa mística. O primogênito faleceu segurando as suas mãos samaritanas num momento trágico e emocional. Sofiinha me impressionava pela visão beatificadamente lírica da fé cristã, no exercício diuturno da recitação do terço e da condição humanitária de ser.

Outra postura de sua incomparável beleza de procederb era a dramática e quase teatral exibição de se confessar macaibense, como se quisesse provar uma verdade científica, universal e superior de sua cidadania. Isso, comovia a todos. Ela foi, apenas, uma mulher simples, do lar, da gente, despretensiosa, mas líder e responsável pela integração democrática da família que irradiava luz rara e personalíssima.


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