Fábio de Oliveira

04/04/2022 09h36

 

Violências urbanas: o direito de ir e vir violado diariamente

Quem é usuário de transporte coletivo, em especial, em Natal/RN, certamente tem notado uma demora fora da normalidade para utilizar esse meio de locomoção. Espera entre 20 e 30 minutos antes era até tolerável, mas hoje em dia ultrapassa essa média de tempo, a ponto de desistirmos dos nossos compromissos. Na melhor das hipóteses, os motoristas de aplicativos vêm a calhar como uma solução para os deslocamentos, caso tenhamos um trocado para custear. Até que ponto nosso direito de ir e vir continuará a sofrer transgressões das quais acabamos normalizando?

Em princípio, é necessário desmistificarmos que o transporte é público. O fato é que ele nunca o foi. Essa é a grande ilusão que muitos ainda teimam em acreditar. O que vemos é um transporte privado, que é domado por oligopólio. Taxam-nos por um valor absurdo, que não vale o péssimo serviço prestado aos usuários, sem contar a ausência de um sistema de bilhetagem que contemple integrações eficientes, que permitam deslocamentos pela cidade, sem pagar o dobro para o deslocamento.

Há aumento após aumento das tarifas e não vemos o mínimo de melhoria, em nenhum aspecto, no serviço dos transportes coletivos. Continuamos com os ônibus sucateados e desestruturados, longas esperas nas paradas sem teto, um péssimo atendimento, estruturas que não pensam nos corpos fora dos padrões e muitos outros velhos problemas conhecidos por todes nós.

Um problema gritante, que foi aumentando no decorrer dos anos, foi ocasionado pela junção de diversas linhas e a inoperação de outras. Atualmente, cerca de 30 linhas deixaram de operar na cidade com a justificativa de que na medida em que a junção das linhas entrasse em vigor, haveria um aumento das frotas. Mas, na prática, não foi isso que aconteceu. Há bairros que nem têm mais ônibus para deslocar a população, sendo que ela precisa, muitas das vezes, caminhar quilômetros para outros bairros a fim de conseguir exercer seu direito de mobilidade. Mas isso tem um motivo: segregação!

Vejamos bem alguns pontos. Temos um Plano Diretor que foi sancionado semanas atrás de forma inconstitucional, que saiu atropelando tudo e a todes. A população não foi ouvida nem tampouco as comunidades. A licitação dos transportes em Natal sempre foi uma utopia e nunca saiu do papel. Isso apenas sinaliza que é para favorecer os empresários locais. À medida que houver uma licitação de transportes, haverá concorrência que quebrará o oligopólio vigente. Além destes pontos que citei, outros meios de mobilidade urbana são possíveis na cidade como, por exemplo, as ferrovias que poderiam passar por uma customização e expansão, e o transporte fluvial pelas águas do Potengi, que seria uma ótima alternativa para ligar a mobilidade entre as zonas da cidade, sem gargalos de trânsitos.

O Plano Diretor, a licitação dos transportes coletivos e um plano de mobilidade deveriam está interligados para atender às reais necessidades da população que depende diariamente desses serviços, inclusive os moradores de bairros periféricos. Estes três pontos poderiam ser um instrumento aliado para melhoria da mobilidade na cidade, mas não há interesse de quem está na tomada de decisões, isto é, não há interesse dos empresários.

Há muitos interesses por trás do nosso direito de mobilidade urbana, porém, isso não significa que eles estejam voltados para nós, a população usuária. O povo precisa compreender que tem em mãos o poder de subverter esse sistema que nos oprimi e nos subalterniza cada vez mais. 

Esse cenário caótico da mobilidade urbana em nossa cidade fez-me lembrar da ativista negra Rosa Parkinson. Ela motivou uma coletividade para boicotar o sistema de ônibus local para quebrar leis segregacionistas ao recusar-se ceder seu acento para um branco. E por aqui a ideia é a mesma; os empresários e os políticos sucateiam a estrutura do transporte coletivo e aumentam as taxas para segregar a população que depende desse sistema de mobilidade.

Não podemos normalizar a negação dos nossos direitos. Boicotes coletivos de várias vozes e a tomada de consciência do poder que temos são necessários para as coisas começarem a melhorar a nosso favor. Temos o poder de transformar nossa situação!

 

 



 


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