Fábio de Oliveira

28/02/2022 12h57
 
Um outro olhar sobre os filmes que passaram na minha vida
 
Quando nos deixamos levar pela indústria cultural, consumimos de tudo e de todes. Em especial, o cinema exportado dos estúdios de Hollywood, da Europa e o audiovisual colonizador brasileiro. Assistimos as mesmas narrativas previsíveis de sempre: filmes que empolgam cada vez mais e um público com fome de entretenimento, que busca elementos canônicos para inspirar suas produções. Mas você já parou para pensar nos impactos e influências que essa adorada estética exerce
na sociedade?
 
De um ano para cá, minhas leituras e análises fílmicas tem me possibilitado o hábito de analisar arquétipos, narrativas e estéticas no audiovisual, bem como no cinema, a partir de um olhar decolonial. Percebi que, além destas análises, a verificação sobre quem está por trás dessas produções e distribuições colonizadas também é de extrema importância. Na maioria das obras que me pus a analisar, todos os autores eram brancos que ganharam os holofotes da mídia com raso entretenimento e produções que fingem protagonizar os povos acêntricos.
 
Por muito tempo, o filme Macunaíma (1969), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, foi um dos meus preferidos. Gostava daquelas tiradas de humor em várias cenas, mas depois fui compreendendo que o filme é cheio de momentos que cristalizam nossos povos em uma cruel subalternidade, além do racismo contido em diversos momentos do filme. 
 
Em uma das cenas, a felicidade de Macunaíma – interpretado pelo ator, cantor, comediante negro Grande Otelo –, em tornar-se branco, após o banho em uma fonte d’água, faz referência ao embranquecimento do povo negro no país. No desenrolar do filme, o jeito malandro de ser, mentiras e maus-tratos com as mulheres do personagem, configuram estereótipos até os dias de hoje de um povo colonizado.
 
Na minha passagem pela academia, no curso de Audiovisual, da UFRN, lembro-me de que o filme O Nascimento de uma Nação (1915), produzido por D.W. Griffith – filho de um soldado condecorado –, foi utilizado em uma das disciplinas que cursei. Uma obra extremamente racista em sua narrativa, cujo discurso segregacionista exalta a Ku Klux Klan. Esse filme, inclusive, teve sua produção fomentada financeiramente por esta organização supremacista branca.
 
Há muitas outras produções audiovisuais e cinematográficas racistas. Sejam internacionais, sejam nacionais, entra e sai filmes nos cartazes dos grandes cinemas, nas plataformas streaaming e até mesmo em amostras regionais, que a maioria das pessoas não identifica o racismo contido nessas obras. Não estou dizendo que esses filmes não devam ser mais assistidos, mas sim boicotados. Vê-los de forma crítica é fundamental para que possamos ter condutas antirracistas como espectadores e/ou produtores.
 
Antes que seja verbalizado o “mimimi” para o que foi aqui exposto, questiono a você, leitore: até quando e em qual lugar do mundo, filmes racistas são permitidos? Não podemos engrandecer obras racistas e justificar o gosto racista em uma fala em que diz “era o filme de época e não se discutia racismo”, ou que “é uma megaprodução”, pois diálogos antirracistas não são de hoje, assim como também há filmes e produtos audiovisuais produzidos com excelências por indígenas e negres. É preciso enxergar essas produções racistas como um desserviço e não mais como clássica.

   

 

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