Fábio de Oliveira

07/02/2022 09h08

 

Você é brasileiro?

Quem são os brasileiros desta terra onde vivemos, que a maioria insiste em reproduzir, até de forma romantizada e progressista, que somos uma miscigenação? É dessa forma que o país é apresentado no exterior e, por aqui, o sistema estrutural, colonial e racista, dissemina essa projeção em todas as rodas de debates: somos uma mistura de cores, raças e etnias. A maioria que nasceu por aqui teve seus mais velhos e ancestrais perseguidos e mortos, mas segue ignorando e até mesmo negando quem é, de onde veio e para onde vai.

A falácia de igualdade e que todos nós somos “humanos”, tem sido injetada na nossa mente de uns tempos para cá. Somos conduzidos por esse fluxo ideológico colonial, tendo o Ocidente como modelo em todos os momentos das nossas vidas. O objetivo é tornar-se o mais próximo desse padrão idealizado, a fim de ser mais aceito pela sociedade, mas não podemos deixar-nos levar por esse etnocentrismo. Ás vezes se é racista até consigo mesmo, porque crescemos reproduzindo isso.

O país nega a existência do racismo, mas é um dos que mais tem práticas racistas no cotidiano e que são negadas descaradamente. Diariamente somos bombardeados por notícias de mortes de algum dos nossos por aqui mesmo na Pindorama. Uma morte atrás da outra, de forma silenciosa e sem punições aos responsáveis. Quando vamos checar o anonimato dos réus, que muitas vezes não informados pela mídia, são todos brancos. Aí, eu pergunto: quem é, de fato, perigoso nessa sociedade?

A ideia de miscigenação coloca todo mundo em um pacote só como brasileiro e assim esquecemos o passado, o presente, o futuro e todo o violento histórico que ainda estamos passando. Todas as intervenções contra nossas vidas promovidas pelo agendamento político de extermínio aos povos acêntricos são ignoradas pelo discurso do mito da democracia racial.

Os povos africanos e a diáspora, sem querer romantizar, tem importante contribuição para o país. Foram sequestrados para essas e tantas outras terras. Nos livros didáticos é transmitida a ideia de que foram trazidos como se fosse um convite para cruzar o Oceano Atlântico, por livre e espontânea vontade, em um confortável navio negreiro. O respeito e reconhecimento dos negros e suas diversidades são ofuscados diariamente pelo racismo, mascarado de igualdade e limitado à história apenas nessa pauta de escravidão perpétua.

Com a colonização, no decorrer dos séculos, acompanhamos um processo de integrar os povos indígenas à sociedade, por meio da fala de que todos somos brasileiros. Essas e outras práticas do genocídio epistêmico atuam desde a invasão europeia, que visam apagar-nos constantemente. Muitas vezes até pela nossa própria negação identitária, provocada pela silenciosa coerção dos pensamentos e modos de vida colonial.

Nós, povos indígenas, já estávamos aqui vivendo em nossos territórios. Independentemente da Constituição, possuímos nossas próprias ciências, tecnologias e organizações sociais. Não há necessidade de abrir mão da afirmação étnica para ter direitos.

O termo “brasileiro” é oriundo dos trabalhos de retirada e exportação do pau-brasil para a Europa; esses foram os primeiros movimentos de biopirataria no país. Foi preciso – sim – da mão dos nossos povos. 

O “brasileiro” precisa compreender de uma vez por todas que não somos a Europa, nem os Estados Unidos. Os modos de vida desses lugares não são parâmetros para coexistir. Abraçar a ideia de que não existe racismo não vai ter salvar das opressões diárias. 

Apenas por meio de uma busca sensível às nossas raízes será possível o discernimento, autoafirmações racial e identitária e lutas por equidades.


 

 

 


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