Fábio de Oliveira

31/01/2022 08h29

 

Infâncias e suas múltiplas perspectivas

Quando pensamos em infância, acredito que para a maioria das pessoas vem lembranças de vivências em lugares que morou e estudou. Marcada por brincadeiras, traquinagens, sorrisos, arengas e outras situações que fizeram parte desses momentos. Porém, generalizar a infância de todas as crianças em uma só, é estabelecer um padrão hegemônico de coexistência. É necessário fazer essa provocação para dialogar e compreender os diversos contextos e narrativas de infâncias existentes. De qual infância estamos falando?

Nas décadas de 80 e 90, não existiam os aparatos tecnológicos que temos nos dias de hoje. Em raras e contáveis vezes, ficar em frente à tela de um computador, tornava-se um evento cheio de entusiasmo para desenhar formas e colorir no Paint. Na infância urbana, passamos bem sem isso; nossa diversão era outra. Brincando nas tardes com latas de roladeira, tica-tica, uma partida de mirim (futebol com poucos jogadores e pequena área na rua ou no campo) e demais passatempos. Nosso dever era render na escola e tirar boas notas, a partir do que julgam ser adequados aos nossos desenvolvimentos profissional e intelectual.

Lembro-me do relato da época da infância da minha mãe. Para não ser punida ou sofrer um castigo eterno do pai, era obrigatório participar dos trabalhos no campo e acordar de madrugada para seguir um longo caminho em uma carroça, sem hora para retornar. Essa era uma das realidades de algumas crianças que vivem nas zonas rurais. A atividade no campo estendia-se durante um dia inteiro. Não se tinha muitas opções, além da baixíssima perspectiva de acessar à escola e, na pior das situações, à alimentação. 

A criança indígena, em um contexto aldeado, tem constante aprendizado em seu cotidiano. Ela faz parte da comunidade e tem a liberdade de circular em todos os lugares. Isso possibilita a interação com outros parentes. Dessa forma, institui-se um processo pedagógico coletivo, em que os saberes são socializados e que não se limitam a um ambiente escolar. Pois nessa vivência, a transmissão dos conhecimentos é contínua e são fundamentais para a formação de identidade.

Ainda sobre uma perspectiva de infância indígena, mas em outro contexto mais próximo, temos as crianças Warao, em Natal/RN. Durante as gravações de um documentário no abrigo, vi algumas crianças com a farda do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI). Então, pus-me a questionar sobre como é o cotidiano escolar dessas crianças e a infância delas, de um modo geral, sem falar e compreender português, apenas a língua Warao. Haja vista a falta de formação dos professores no tocante às histórias e culturas indígenas brasileiras, qual a preparação e preocupação que há do corpo docente com elas? 

Essas são algumas das diversas realidades e perspectivas sobre infâncias, que precisamos enxergar com pluralidade, levando-se em consideração os aspectos étnicos, geográficos, raciais e sociais, além das peculiaridades e subjetividades de cada uma destas infâncias. A escola não deve ser a única responsabilizada por esse olhar sensível para a construção social das infâncias, mas a sociedade como um todo também é responsável por esse processo contra hegemônico.

 

 

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