Fábio de Oliveira

15/11/2021 09h38
 
Acerto que virou erro e erro que virou acerto
 
 
Na semana passada, perguntaram-me se eu ainda estava realizando entregas de frutas, legumes e verduras em domicílio. Depois de responder que não, refleti nas vivências das entregas que eu sempre fazia nas manhãs das sextas-feiras e o que esse trabalho me proporcionou durante cerca de oito meses, entre 2020 e 2021. Rotina essa que eu jamais imaginava ter, mas que dediquei esforços, como se estivesse dentro dos meus planos. As sequelas da pandemia lançaram, em muitos aspectos, outras direções de aprendizados.
 
Lembro-me de que no mês de março, do ano passado, depois de muitos esforços e espera, as coisas estavam todas encaminhadas para um trabalho de carteira assinada e na minha área de atuação – que maravilha! Dediquei quatro anos da minha vida para algo assim. O desejado emprego, após se formar, é algo cobiçado por todes e comigo não foi diferente. Mas ninguém contava com a devastadora disseminação do coronavírus em escala global, que ocasionou mortes atrás de mortes.
 
A pandemia fechou os caminhos de tal forma, que não deu tempo nem de questionar-me sobre quais seriam os próximos passos. Nenhum sinal de serviço temporário nem muito menos aquele tão sonhado emprego pela CLT. Com o isolamento social decretado, portas fechadas, auxílio emergencial negado, nenhum edital, acúmulo de contas e necessidades beirando ao colapso financeiro e existencial, tudo isso fez parte das minhas preocupações para continuar vivo, além do próprio risco de ser infectado por um vírus mortal e, à época, sem cura.
 
Uma ideia surgiu coletivamente com os parentes do Gamboa: a feira virtual Gamboa do Jaguaribe. O intuito da feira foi comercializar frutas, legumes, verduras e produtos naturais com entrega em domicílio, para atender as demandas de quem estava em isolamento social. Com isso, conseguirmos receitas para manter-nos. Conseguimos, na execução desta ideia, movimentar a agricultura de subsistência por meio da feira virtual Gamboa do Jaguaribe e apoiar fornecedores das proximidades, que também tiveram suas receitas afetadas pela pandemia.
 
Enquanto a feira estava operando semanalmente, passei a morar pelas matas do sítio. Foi uma forma de isolar-me e envolver-me com funções da agricultura, sem deixar de produzir conteúdos visuais, como a elaboração de artes, vídeos e fotos para divulgação nas redes. Elaboramos um sistema de coleta de pedidos entre segunda e quinta, por meio do whatsapp. As entregas sempre ocorriam pelas manhãs das sextas-feiras; quase sempre tínhamos clientes certos, dos quais já sabíamos o que seria pedido.
 
Acontecia um intercâmbio riquíssimo de saberes e relatos dos clientes acerca da própria saúde, consumo e seus gostos. Lembro-me de histórias sobre os quintais que deixaram de ser de concreto para tornarem-se jardins, memórias afetivas da culinária nas zonas rurais e tantas outras trocas.
 
À medida que os estabelecimentos e as feiras foram abrindo suas portas, as pessoas voltaram a comprar nesses locais e, infelizmente, tornou-se inviável continuar com a feira virtual. As vendas baixaram de tal forma que foi preciso suspender as atividades, quando percebemos que estávamos pagando para trabalhar. 
 
Minha companheira e eu fizemos ligeiramente uma retrospectiva do início da pandemia aos dias de hoje. Isso fez lembrar-me de tantas situações que aconteceram; mesmo com as condições hostis e sequelas impostas por esse cenário pandêmico, foi possível extrair o lado positivo com as transformações e aprendizados. 
 
A feira virtual Gamboa do Jaguaribe foi uma experiência excelente enquanto existia. Eu atribuo os acontecimentos e reviravoltas ocorridas às energias de Exu: fez o acerto virar erro e o erro virar acerto! E o mais importante? Ainda estamos vivos!
 

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