Bia Crispim

12/11/2021 08h00

 

SENHORA!?

 

Eu estava com a coluna de hoje prontinha pra ser entregue, quando, acessando meu Whatsapp, me deparei com uma mensagem de uma colega sobre um comentário de um aluno em uma postagem minha do Facebook. 

Vou transcrevê-la e falar um pouco sobre os motivos que me fizeram escrever outra coluna. Segue a transcrição do que falou minha amiga:

“Bom dia, meninas.

Tô aqui de zóio cheio, com o que vi numa postagem da @Bia Crispim Almeida.

Um card que chama para aulas pro Enem.

Um aluno entra nos coments e pergunta: "A senhora libera pra compartilhar?"

A SENHORA. 

Gente, que lindo.

Respeito não tem preço.

Passou um curta histórico de tragédias na cabeça até descer lágrima de emoção, por ver essa palavrinha: senhora. Achei que nunca iria ver isso.

Sensacional.

Parabéns, Bia!

Vc e todas as outras merecem todo respeito do mundo.

Obrigada por ser o que é e ainda nos dar oportunidade de nos emocionar.”

 

Bem, como disse, na hora em que li isso, nem precisa dizer que quem ficou com os “zóio” cheio de água fui eu, né? Eu tenho mania de fazer postagens sem torná-las públicas e esse foi mais um caso. A postagem fazia a propaganda de um aulão que darei, junto com outros profissionais da educação, próximo final de semana em Currais Novos/RN, cidade onde nasci. 

 

Fiz a postagem do card convidando a comunidade escolar para ir assistir ao aulão que, por sinal, é gratuito. (Se ligue aí, Currais Novos!) E o primeiro comentário foi o de um aluno pedindo para tornar a postagem pública, pois o mesmo queria compartilhá-la. O fato de ele ter me chamado de “Senhora” não soou estranho, nem nada longe da minha realidade enquanto professora. Os/as adolescentes para quem dou aulas me acham velha. Hahahahahahahaha... Acredito que tenho idade de ser avó de muitos/as. E, apesar do que muita gente possa pensar, ser Travesti não tira minha conduta e postura respeitosa diante da minha profissão, nem na relação salutar que construo com meu alunado. 

 

Mas a mensagem da minha amiga me fez pensar que outras pessoas (e agora penso que muitas) que não convivem comigo, que não acompanham meu trabalho, que não veem como é minha lida diária nas escolas nas quais trabalho, devem pensar que, sendo eu uma Travesti, o respeito pode não ser um ingrediente que tempera minha rotina, sobretudo em sala de aula, sobretudo lidando com adolescentes.

 

Pois é! O respeito é algo que aprendi a ter (por mim e pelo outro) e a ensinar enquanto profissional de educação. Sei que quando entro em uma sala de aula nova, a primeira lição que ensino é que nem todos são iguias; a segunda, que uma Travesti pode ser professora ou o que ela quiser; a terceira, que o respeito mútuo será um ingrediente essencial para conduzirmos não só nossas aulas, mas para construirmos boas relações dentro e fora da escola.

 

A escola é um espaço essencialmente feito para provocações. Precisamos provocar se quisermos ensinar de fato. E sei que sou essa grande provocação. Não só para os/as estudantes, mas também para meus colegas de labuta e para os pais e responsáveis. (Vocês precisam ver como eles me olham enquanto falo em reuniões pedagógicas – com curiosidade e respeito). Desconstruo para construir e sei o quando isso fura bolhas de tanta gente.

 

O comentário "A senhora libera pra compartilhar?" do meu aluno e minha existência de “senhora professora” furaram a bolha da minha colega. Como ela disse, o histórico de desrespeito tão comum e até normalizado pelo qual passa uma Travesti nesse país possibilitou que minha amiga nunca tivesse cogitado que uma de nós (Travesti) pudesse ser tratada por “senhora”, ser tratada com respeito.

 

E sim, querida, Giovana, não sou só eu que mereço respeito, “todas as outras merecem todo respeito do mundo”, como você bem colocou. Obrigada por me fazer enxergar que isso é mais um privilégio que eu disfruto, e obrigada também por me puxar as orelhas e me alertar de que respeito não pode ser privilégio de umas ou outras pessoas, respeito é ingrediente essencial para a existência plena de todes nós: trans, cis, hétero, homo, bi, criança, adolescente, adulto, idoso, preto, branco, indígena, amarelo, cristão, do axé, crente, deficiente, nordestino, sudestino, da cidade, do campo, rico, pobre... 

 

Enfim, RESPEITO É PARA TODOS, não é mesmo?!

 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).