Cláudia Fragoso

24/10/2021 08h12
 
A medida exata da atenção
 
Quando foi que perdemos o tom? A partir de que momento simplesmente nos perdemos e ficamos em um dos extremos, entre “se importar demais com a dor do outro” ou “nem ligar”? Sim, porque parece que é isso mesmo que está acontecendo ao meu redor! Ao seu também?
 
Deixe-me explicar: tenho a nítida sensação de que não estou sendo empática com pessoas queridas ou sou empática “até demais”. E para piorar a sensação, quando estou sendo “empática demais” algumas pessoas acabam enxergando isso como “invasão de privacidade”. E olhe que estou falando de amigos, pessoas próximas! Acho isso tudo muito louco.
O fato é que andei refletindo sobre isso, sobre essa bendita “medida exata da atenção”. No comércio, nas redes sociais e até nos nossos vínculos, em geral as pessoas brigam para ter um pouco ou muita atenção. Quanto mais atenção você ganha por causa de um post ou de um acolhimento, melhor você é visto. Só que, de alguma forma, nessa busca desenfreada para sermos vistos, as coisas mudaram um pouco de direção. 
 
Estou falando de mim, para mim, mas também para você, porque sei que também foi afetado por essa medição absurda de atenção. Vou dar alguns exemplos concretos para que fique bem claro do que estou falando. Certa vez, não faz muito tempo, estive num grupo de trabalho, em que eu e mais duas meninas tínhamos um projeto em comum. Até hoje não as conheço pessoalmente e uma delas não mora na mesma cidade. Descobri, no auge da entrega desse projeto, que uma delas tinha tentado suicídio. Detalhe: era a que não morava na mesma cidade que eu e ela simplesmente só tinha contado a mim. Eu não tinha o contato de nenhum parente dela. Conversei com a outra menina do projeto e fomos atrás de seus familiares numa corrida contra o tempo, só tínhamos o sobrenome. Júlia (nome fictício) tinha se cortado e estava ali, sangrando e eu a todo instante mandando mensagens para ela. Graças a Deus, no final, conversei com os pais, que foram até à casa dela (Júlia estava sozinha até então) e os orientei para que buscassem atendimento médico o quanto antes. Apesar de eu ser psicóloga, naquele momento estava apenas como uma integrante da equipe.
 
Lição aprendida: ficar mais atenta aos pequenos sinais. Com isso em mente, a cada sumida de um amigo, eu já fico querendo saber notícias. Qual não foi a minha surpresa quando, após um sumiço, fui super mal interpretada e a pessoa considerou a minha atitude (de querer saber se estava tudo bem, de ir atrás de familiares) como “não empática”. Fiquei bem chateada quando soube (só soube porque a pessoa citou a situação nas redes sociais, sem mencionar nomes), mas também bem pensativa. Pode ser que eu tenha sido invasiva. Ir atrás do contato de um familiar para ter certeza que está tudo bem pode sim ser visto ou interpretado como uma “invasão”. De fato, pode ser mesmo. Mas o que eu quero trazer aqui como uma reflexão é: por que exigimos que o outro caiba no NOSSO conceito de empatia, de atenção, etc?
 
Tenho amigos racionais que fazem o que precisa ser feito e depois é que vão se atentar para os sentimentos, porque, a casa pode estar “pegando fogo”. Tenho outros, no entanto, muito emocionais, que irão, o tempo todo, querer saber como cada pessoa está se sentindo e para eles o necessário é exatamente isso, não a casa pegando fogo. Não importa! Na verdade, importa até demais! 
 
Vivemos tempos de extremismo, mas vamos tentar, só um pouquinho, simplesmente não deduzir ou interpretar o tempo todo as ações do outro. Jamais conseguiremos sentir o mesmo, nunca iremos passar pelo que o outro passou, então vamos só acreditar nas intenções e, ao mesmo tempo, vamos buscar, ir aos poucos, passo a passo, percebendo o momento do outro, novamente, sem suposições! Fácil não é, mas muito pior é viver em uma guerra da medida exata da atenção!
 

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