Fábio de Oliveira

09/08/2021 00h02
 
 
Exu: de um olhar etnográfico às vivências
 
 
Era mês de agosto; final da tarde de um sábado. Mais um dia exaustivo em campo, executando meu trabalho de conclusão de curso na comunidade indígena Mendonça do Amarelão, na zona rural de João Câmara/RN. Eu estava fazendo minhas malas, a fim de retornar para Natal/RN, mas fui surpreendido por um convite indispensável para a noite do mesmo dia, convite este que me atravessaria mais uma identidade na minha existência: um toque de Exu! A partir de qual ponto nos permitimos novas e transformadoras experiências culturais?
 
O chamado para participar e documentar o evento foi feito pela mãe Selma, do terreiro dentro da comunidade do Amarelão. Na época, não a conhecia, hoje é minha irmã de axé. Ao ouvir o convite intermediado por amigo Akanguassu, para participar da festa em homenagem aos senhores e senhoras da rua, Exu e Pomba Gira, aceitei-o no mesmo instante, sem hesitação alguma. Antes dessa experiência, ignorava questões que envolvessem a espiritualidade. Eu partilhava de um ceticismo que surgiu a partir de experiências negativas e forçadas no cristianismo, somadas às reproduções distorcidas das culturas de terreiro.
 
Lembro-me de que o terreiro estava cheio, e boa parte da comunidade se fazia presente para festejar. Havia uma ligação semiótica entre as luzes, as cores, as vestimentas, os pontos e os ritmos, que nos fazia experimentar à uma energia festiva e receptividade. Minhas visões e sensações naquela noite passaram por uma mutação, que talvez fosse incompreensível a outros ouvidos e olhares habituados a reproduzir as ideologias colonizadoras.
 
Muitos na sociedade ainda têm essa visão demonizada e inferiorizada das culturas tradicionais de terreiro e seus elementos simbólicos. Esse ponto de vista se dá em razão das faltas de conhecimento e respeito às diversidades culturais e religiosas, fomentado por um cristianismo fanático e intolerante, que gera perseguições e segue fazendo vítimas – como se a espiritualidade eurocêntrica fosse o único modelo possível! Mais irônico é ver alguns desses intolerantes procurar por Exu e Pomba Gira, em seus momentos difíceis, como se as entidades fossem facilmente compradas por bebidas e cigarros oferecidos em sessões consultivas. 
 
Essas experiências transcenderam o olhar etnográfico e passaram a ser uma vivência. Atualmente, faço parte de terreiro da mesma família que me convidou para a homenagem referida. E mesmo fazendo parte, muitas coisas ainda serão compreendidas com o decorrer do tempo, com as vivências e estudos constantes.
 
Acredito que só podemos compreender e respeitar as diversidades ao nosso redor, a partir do momento em que largamos alguns paradigmas. Entendo que é preciso que nos permitamos passar por determinadas transformações, que também incluam as pessoas com quem convivemos. A experiência foi meu ponto de interesse, qual será o seu?
 
 
 
 
 

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