Bia Crispim

23/07/2021 00h00
 
Transcidadania – “Eu quero uma pra viver”.
 
Em 20 de março de 2020 eu escrevi isso para esta coluna: “Uma pessoa trans pode ser o que ela quiser!” Trago essa discursão à tona novamente porque por mais que essa pessoa Trans/Travesti “possa” pelas capacidades que possui ou adquira, ela “não pode” porque o CIStema não permite a inserção de trabalhadores Trans/Travestis no mercado de trabalho formal. E esse é mais um confronto que as pessoas Trans/Travestis precisam peitar em suas trajetórias: provar que podem. Provar que são capazes, provar que são inteligentes e criativas, provar que podemos assumir qualquer vaga no universo laboral...
 
Infelizmente poucas ações no campo da empregabilidade para pessoas Trans/Travestis acontecem nesse país, o que resulta na precarização, marginalização de suas vidas, além de contribuir para o reforço aos estereótipos negativos da comunidade.
 
Ações como o programa TRANSCIDADANIA da cidade de São Paulo é um exemplo a ser seguido por todo o país. Segundo o site da prefeitura de São Paulo, o programa “promove a reintegração social e o resgate da cidadania para travestis, mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade. (...) Utilizando o desenvolvimento da educação como principal ferramenta, as beneficiárias e os beneficiários recebem a oportunidade de concluir o ensino fundamental e médio, ganham qualificação profissional e desenvolvem a prática da cidadania. (...) Cada beneficiária(o) recebe acompanhamento psicológico, jurídico, social e pedagógico durante os dois anos de permanência no programa.”
 
Norteado sobre princípios de atuação como autonomia, cidadania e oportunidades, o programa hoje oferece 510 vagas, ofertando, além de formação educacional e qualificação, uma bolsa-auxílio no valor de R$ 1.160,00.
 
Outro programa, não governamental, que merece destaque nesse assunto é o TransEmpregos. Idealizado por Maite Schneider (Grupo Esperança), Laerte Coutinho (cartunista), Dra. Márcia Rocha (advogada travesti) e a psicanalista Dra. Letícia Lanz fundaram a ABRAT “com enfoque na promoção a Educação e Informação.”
 
O projeto que inicialmente pensava que a falta ao acesso à educação e à formação da população Trans/Travesti era tão somente o entrave para a não contratação dessas pessoas, deparou-se com outra questão: a negativa das empresas em contratá-las, mesmo sabendo da qualificação do/da candidato/a à vaga. O entrave maior ainda era/é o PRECONCEITO.
 
Percebeu-se que muitas das vezes que alguma pessoa Trans/Travesti era inserida no quadro de alguma empresa, ficava pouco tempo empregada. Motivo: “falta de aceitação de seus pares.” Mais uma vez uma questão externa à pessoa Trans/Travesti minava sua oportunidade de empregabilidade formal. Mais uma vez o PRECONCEITO se materializava na ação da demissão.
 
Segundo o site do TransEmpregos: “Atualmente também trabalhamos com empresas que querem fazer mudanças sociais. Já são inúmeras parcerias que se propõe a algo além de discutir e executar a empregabilidade” e acrescenta: “A TransEmpregos trabalha para que pessoas possam ser analisadas pelo RH sem sofrerem preconceitos e discriminações neste processo.”
 
Claramente percebemos que não são somente as pessoas Trans/Travestis que precisam ser educadas, orientadas, qualificadas para se inserirem no mercado laboral... As empresas também precisam buscar conhecer, precisam querer que as mudanças sociais, que contribuem para um mundo mais justo, aconteçam.
 
“Uma pessoa trans pode ser o que ela quiser!”, como afirmei em 2020, se a sociedade, em contrapartida, não impedir que nossas capacidades, que nossas inteligências, que nossas práticas, que nossas habilidades, que nossos saberes, que nossos sonhos, sejam realizados e valorizados e não jogados fora, desacreditados, desvalorizados... 
 
Seremos o que quisermos se a sociedade oportunizar a criação e manutenção de projetos como os citados aqui, se ela se entender como plural, diversa e heterogênea. E também, se o CIStema parar de nos enxergar como se fôssemos apenas um corpo passível de uso e descarte.
 
Apoiar a TRANSCIDADANIA é garantir cidadania para a sociedade de maneira geral, pois implica em transformações no campo das relações humanas e no crescimento civilizatório dessa sociedade! 
 
Convido a todas as pessoas a fazer essa grande revolução social acontecer!
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).