Daniel Costa

30/04/2021 00h05
RACISMO DE SEMPRE
 
 
Nos Estados Unidos, Derek Chauvin foi considerado culpado pela morte do segurança negro George Floyd. Todo mundo viu as imagens do mais triste e chocante episódio de racismo dos últimos tempos. Essa violência inconcebível causou grande comoção. Os protestos e a repercussão do fato, pelos quatro cantos do globo, certamente contribuíram para a condenação do ex-policial de Minneapolis.
 
Nada mais justo. O preconceito racial tem mesmo que ser combatido com todas as forças. Já se foi o tempo em que as pessoas se revoltavam não contra o racismo, mas contra os próprios protestos, como acontecia nos Estados Unidos, onde o público de clubes de jazz deixava o ambiente assim que Billie Holiday lançava a melodia de Straing Fruit, música que tratava às escâncaras do problema do preconceito racial e que foi recentemente reavivada pelo filme The United States vs. Billie Holiday, em que a atriz Andra Day, interpretando Billie, concorreu ao Oscar.
 
Naquele tempo, por volta de 1940, gritar contra atos racistas não era coisa muito saudável. Os próprios negros tinham medo de que isso pudesse causar uma onda de violência ainda maior, já que o preconceito escorria pelo canto da boca da maioria dos brancos americanos, que babava de satisfação ao ver os homens da pele escura linchados pela população, seviciados com ferros quentes e enforcados em praça pública. O pai de família americano, religioso, seguidor dos bons costumes, presenciava essa insanidade como quem ia ao zoológico mostrar aos filhos um casal de ursos pandas numa tarde dominical.
 
Billie Holiday, ao cantar de forma lancinante Strainge Fruit, estava se opondo exatamente a essa barbárie, que marcava profundamente a alma dos negros. E isso, claro, incomodava a plateia acostumada a ver os artistas coloreds como macaquinhos de circo que tocavam alegres bebop’s e saiam pelas portas dos fundos assim que o show acabava. Por isso, a força luminosa da voz de Holiday, aliada aos versos daquela canção de protesto, abalou a rotina de boates como a Café Society, deixando plateias ora perplexas ora revoltadas. Algumas pessoas choravam silenciosamente, outras simplesmente se retiravam, e a maioria ficava quieta, boquiaberta, constrangida ao visualizar, através da música, a figura de negros laçados em árvores tal como frutos ressecados.
 
O certo é que a arte de uma das maiores cantoras de todos os tempos, reverberada na força de uma simples canção, foi responsável pela quebra de barreiras, já que capaz de jogar na cara dos brancos a sua própria desumanidade. Um grito contra o racismo que se fez ouvir mundo afora, durante longos anos.
 
A inegável pujança dessa música e de tantas outras formas de protesto, é algo que certamente torna espinhosa a tarefa de entender por qual razão o racismo continua presente nos dias atuais (talvez o conceito de racismo estrutural seja o início da explicação). E a verdade é que o caso de George Floyd só deixa claro que falta muita coisa para se alcançar uma sociedade livre do preconceito. Até lá, só resta mesmo combater, lutar, como um dia fez Billie Holiday cantando, por todos os negros, que “árvores do Sul dão uma fruta estranha; Folha ou raiz em sangue se banha; Corpo negro balançando, lento; Fruta pendendo de um galho ao vento (...); A boca torta e o olho inchado; Cheiro de magnólia chega e passa; De repente o odor de carne em brasa (...); Eis uma estranha e amarga fruta”. 
 

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