Eliade Pimentel

29/04/2021 12h00
 
 Ancestralidade indígena no beiju de Sagi
 
 
A produção do beiju de mandioca mole na comunidade indígena Sagitrabanda, no município de Baía Formosa, é uma verdadeira aula de história sobre o modus vivendi dos povos originais do Brasil. Em vídeo-reportagem produzido pelo Centro Cultural Casa de Taipa, o jornalista Rubens Araújo e o fotógrafo e guia de turismo Felipe Claudino contam como o modo de produção da delícia produzida há séculos pelas famílias sagizeiras revela a sua ancestralidade. 
 
“E quem há de negar que esta lhe é superior?”. Infelizmente, tem muita gente que zomba, que fala mal do povo da singular vila situada na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba, pelo fato de a comunidade ser auto-declarada indígena de origem potiguara. Outro dia, sobre o direito à vacinação, uma forasteira ansiosa que o seu dia não chegara, debochou em rede social afirmando “tem mais índio em Sagi do que a população toda de Baía Formosa”. O que ela quis dizer com isso? 
 
Primeiro, de sua ignorância ao se referir aos membros da comunidade com o termo índio, e não indígena; segundo, que na cabecinha ignorante dela, os povos indígenas não deveriam ter certos direitos assegurados. Algumas pessoas igualmente ignorantes afirmam sobre os indígenas brasileiros estarem “perdendo” sua cultura original, por adotarem estilo de vida contemporâneo, muitos estudam e trabalham na cidade, têm acesso às novas tecnologias etc.  
 
Mas, ao conhecer histórias como essa, de Tia Vera, no vídeo financiado com recursos da Lei Aldir Blanc, através do edital da Fundação José Augusto (Governo do RN) que propõe resgate de culturas, incluindo receitas ancestrais, é impossível não reconhecer na prática, aos olhos nus, aquilo que aprendemos ser uma das heranças indígenas em nossa alimentação. As comidas feitas com mandioca. O beiju, a tapioca, o friviado, o grude, tão comuns nas nossas feiras, nas praias, na vida do povo potiguar. 
 
Conheço e frequento Sagi há pelo menos 20 anos. As tradições indígenas não estão assim à vista apenas na feitura do beiju de mandioca mole. Mas, nos roçados de milho, de feijão, de batata doce, de macaxeira e de mandioca. No cuidado mútuo e o respeito à coletividade, nas festas do milho para festejar a colheita, que ocorrem no mês de junho e coincidem com os festejos juninos, e principalmente nas receitas de cura natural. 
 
Foi em Sagi, através de seu Manoel Pau D’arco, verdadeiro pai para mim, que aprendi uma receitinha tiro e queda para sinusite. Inalar álcool com flor seca da colônia macerada. Pense num negócio estilo “em três dias te prometo seu amor de volta”, ou melhor, sua respiração de volta. Ele também me ajudou a curar uma ferida no pé com tintura de barbatimão. Que eles chamam de babatenon. Costumo dizer que ele é meu pajé, sabe tudo das curandeirices. 
 
Adoro quando sua companheira me recebe com minha comida preferida, cuscuz de milho com peixe frito. Quando questionada sobre onde nasceu, ela sempre me reponde: nascida e criada aqui. As terras utilizadas para o plantio das culturas de subsistência, por exemplo, advêm de outras gerações: “desde o tempo de minha mãe, de minha vó, de minha bisavó”, diz a doce Nininha. Por falar nisso, ô saudade desse povo lindo. Outro dia, sua filha Nana me deu um alô. “Apareça para nos visitar, você some”. É a pandemia, querida... como eu amo esse povo, essa terra. 
 
Lá, eu sinto uma energia muito pura. Apesar de tantos forasteiros que residem ou frequentam o local, a aura de Sagi ilumina as almas boas e afasta as más vibrações. Eu só desejo que a força da Mãe Terra, o poder de Tupã e a luz de Jaci tenham força para resguardar na comunidade a verdadeira essência do povo potiguara, que ajudou a compor a população do nosso Rio Grande do Norte, da vizinha Paraíba, do Ceará e do Maranhão. 
 
Eu realmente não sei descrever o sabor do beiju de mandioca mole, porque para mim ele não tem apenas gosto de uma iguaria exótica perfeita para acompanhar o cafezinho. Tanto quanto o cuscuz feito de milho, o pitu pescado numa pequena armadilha no rio Cavassu, o café morto no pau, o beiju de mandioca mole do Sagi tem sabor de tradição, de história e revela a ligação que o povo indígena tem com a terra. 
 
É um povo hospitaleiro, sim. É um povo simples, com certeza. Mas, como um bom potiguara, o povo do Sagi é sobretudo um povo guerreiro. Não mexam com o povo de lá! Respeitem suas origens, suas tradições, sua História.  Gostou? Acesse o canal do Youtube do Centro Cultural Casa de Taipa e assista ao filme “Beiju de Mandioca Mole”. A emoção é garantida. 
 

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