Bia Crispim
12/03/2021 00h01
Benditas metáforas
Esses dias eu conversei muito com diversos amigos e amigas sobre metáforas e seus poderes de encantamento ou de assombro. Sobre as relações muitas vezes óbvias, outras vezes tão obscurecidas que elas carregam.
O engraçado é que muitas das conversas terminaram indo para o mesmo caminho, para a importância da prática leitora e do papel que a literatura tem de nos ensinar a conviver com e decifrar essas benditas metáforas, essas caixinhas de surpresas que tornam o dito em algo mágico.
Posso falar como leitora ávida que sim, a literatura me ensinou a ler o mundo, a abrir essas caixinhas, a explorar os signos todos que atravessam a linguagem, as linguagens. O mundo parece surpreendentemente mais transparente.
Deveríamos estudar leitura e literatura a vida toda, o tempo todo. Parafraseando o mestre Antônio Cândido: deveríamos ter esse direito. Porque é direito do homem desavessar seu mundo, compreendê-lo, fruí-lo, interpretá-lo, expressá-lo...
Mas para isso um direito maior deveria ser adquirido, o de uma educação de qualidade para todas, todes e todos. O direito ao acesso às linguagens diversas, à leitura de mundo, à literatura, tão essenciais, não só pra atravessarmos as metáforas, mas para refletirmos nossa história, nosso momento, nosso futuro.
E eis que, coincidentemente, logo após esses debates, encontrei, mexendo em uns papéis, um poema escrito há exato um ano, em que essas benditas metáforas estavam lá. Resolvi compartilhá-lo com vocês. Fala de uma infiltração nas paredes. Será?!
Ei-lo: SEM INFILTRAÇÕES – poema de Bia Crispim
Começou num canto qualquer,
lenta e pequena
(quase imperceptível).
Mas com o tempo,
sobretudo nas tempestades,
ela se acentuava.
Ia crescendo vagarosamente,
alastrando-se,
ganhando espaços,
avolumando-se,
construindo outras paisagens.
Afofou superfícies,
criou bolores,
mudou de cor
e começou a descamar,
mostrando o “por baixo”.
Era úmida, sufocante
e quando menos se viu
tomou conta de toda casa.
(Pesadamente!)
Não adiantava mais mascará-la.
Tinta nenhuma bastava.
Foi se apoderando de tudo,
até que um dia surgiu na unha do dedão do pé.
Depois, sem muito alarde,
cobriu o pé inteiro,
subiu pela perna.
Com um olho só, não via problemas,
mas quando abri os dois,
já havia tomado conta de mim.
(Inteira!)
Chamei o construtor de “seu escroto!”
Tirei-o de cena.
E agora estou à espera de um empreiteiro bom
que consiga me restaurar, me reerguer
SEM INFILTRAÇÕES!!!
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).